terça-feira, 30 de junho de 2015

Humilhação dentro da própria casa - Parte 2

Na decisão de 3º lugar, ainda sem condições de se recompor emocionalmente, e num jogo que não valia mais nada, pois para nenhum brasileiro, diante da tamanha humilhação enfrentada, faria diferença terminar em terceiro ou em quarto lugar, a Seleção Brasileira foi derrotada por 3 x 0 pela Holanda.

Em 1950, Barbosa, goleiro do Brasil, sofreu a condenação pela derrota, levando a culpa pelo gol de Gigghia, e carregando com ele, por décadas, este fardo. Aqueles eram outros tempos, quando jogador de futebol era pobre. No caso específico dele, Barbosa, muito provavelmente adicionando algum preconceito, porque ele era negro. Em história, todos sabem que não existe "se", ninguém pode voltar no tempo e reescrever os fatos para saber se sua pele fosse branca, a culpa que recairia sobre seus ombros seria igual ou menor. Fato é que em 2014, os jogadores brasileiros, todos eles, negros, brancos ou mestiços, eram milionários, tinham renda superior a 99,9% da população brasileira. Certamente, uma conjuntura que fazia ser bem menos pesado o fardo carregado por uma derrota como aquela.

O time chegou à semi-final? Isto seria suficiente para não qualificar a campanha como um fracasso? Mesmo que para muitas seleções do mundo chegar à semi-final seja um sonho, nas 19 edições anteriores, o Brasil havia chegado a 10 semi-finais, portanto, jogando em casa, isto era o mínimo a ser conseguido. E com as deficiências técnicas e táticas que apresentou, só chegou à semi-final porque estava em casa. Numa Copa em qualquer outro lugar do mundo, não teria chegado sequer à semi-final.

Vexame, humilhação, vergonha. Adjetivos nada honrosos. O Brasil esperou muito tempo para voltar a ser sede de uma Copa do Mundo.  E se o final em 1950 parecia ser o pior que poderia passar a uma seleção dentro de sua própria casa, o que a história guardava para 2014 provava que qualquer coisa sempre pode ser ainda pior.

Os 7 x 1 foram um marco, o mais ácido de todos eles. O senso crítico comum colocou a culpa na falta de inovação do futebol brasileiro. Em parte era uma explicação acertada, mas tudo foi muito mais complexo do que uma explicação simplista pudesse definir.

A preparação do time para o Mundial também deixou muito a desejar. A seqüência de amistosos vinha sendo planejada não por critérios técnicos, mas pelo retorno financeiro que os mesmos davam à CBF. Apostou-se que bastaria repetir o time a Copa das Confederações e seria suficiente para vencer. Futebol nunca foi assim. Acreditou-se que era só uma questão de ter vontade, que a garra bastava. Mas sem qualidade nunca é suficiente! A história da Seleção Brasileira já deveria ter ensinado isto! A Seleção Brasileira em 2014 foi humilhada: tecnicamente, taticamente e fisicamente.

Houve quem responsabilizasse a pressão psicológica sobre os jogadores por um resultado positivo. A pressão de jogar em casa foi muito grande? Sim, foi, mas a torcida cantou o hino entusiasmadamente junto aos jogadores, apoiou, empurrou, não vaiou. Se houvesse qualidade dentro das quatro linhas, a pressão teria sido um fator positivo, e não negativo.

O fracasso em 2014 foi resultado de um estado de falência técnica para o qual a sociedade brasileira, em sua ampla maioria, deu seu aval: o futebol de resultado, com viés defensivo, no qual os cabeças-de-área tinham mais relevância que meias de criação, gerando perda de poder ofensivo, e dando total liberdade para que jovens talentos fossem enriquecer no exterior, sem os clubes formadores para atrapalhá-los, e sem um projeto de longo prazo focado em aperfeiçoamento. O tempo dos treinadores estrategistas, tratados como supertécnicos, foi, paradoxalmente, a época mais medíocre e de maior regressão tática da história do futebol brasileiro. Predominava o excesso de faltas, de simulações, de violência, de chutões, de jogadas aéreas, com partidas tumultuadas e truncadas, com um jogo mais feio. Proliferavam os marcadores de força, um para proteger os zagueiros e mais um de cada lado para cobrir os laterais. As equipes dependiam, ofensivamente, de um único articulador no meio, responsável pela armação das jogadas. Enquanto isso, os europeus, preocupados com a qualidade do espetáculo e em faturar mais, melhoraram os gramados, o conforto e a segurança nos estádios, a violência diminuiu, dentro e fora de campo, com as partidas passando a ser menos faltosas e menos violentas. Formaram-se duplas pelos lados, entre os laterais e os meias. Armadores que marcavam e apoiavam, com pouca força física passaram a ser os grandes craques do futebol mundial. Por todos estes fatores, não dava para culpar o treinador ou um jogador. A humilhação vivida pelo futebol brasileiro foi retrato de um quadro de falência de pensamento crítico, tanto de toda a categoria de treinadores brasileiros, quanto da mídia esportiva.

Houve uma enorme perda de identidade a partir do momento que jovens jogadores brasileiros passaram a ser formados no futebol da Europa, surgindo ainda jovens, com menos de 20 anos, direto no Velho Continente. Os laterais perderam seu diferencial ofensivo, a leveza e a agilidade para o drible foram perdidos para o jogo mais físico.

A própria formação de jogadores nas divisões de base dentro do país mudou. A escolha passou a ser por jovens jogadores mais altos e mais fortes, pois seria o perfil exigido pelo futebol mais atlético da virada do século. Era uma importante lição: jamais se deveria escolher um garoto por ser alto ou ser forte, mas sim pela habilidade técnica demonstrada, o "saber jogar futebol".

Havia uma explícita carência técnica na geração preparada para a Copa 2014. Os jogadores brasileiros já não eram mais protagonistas no cenário europeu. Mesmo diante do maior fracasso da história a Seleção Brasileira de futebol, era muito difícil pensar em nomes que teriam dado um toque diferente àquele grupo. Lucas Silva? Era reserva no Paris St-Germain. Philipe Coutinho? Fez uma boa temporada no Liverpool, tinha características de um 10, que naquele grupo só Oscar tinha, mas mudaria algo? Ganso? Aquele que fracassou como titular na Copa América 2011 e vivia altos e baixos no São Paulo? Fred e Jô eram centroavantes limitados? Quem teria resolvido: Alan Kardec, do Palmeiras? Alexandre Pato, do Corinthians? Wálter, do Goiás? O veteraníssimo Luís Fabiano, do São Paulo? Difícil crer que algum deles tivesse feito tanta diferença a ponto de evitar tamanha catástrofe. Poucas vezes na história da Seleção Brasileira houve tanta concordância, tanto de mídia quanto de torcida, de que aquele grupo era o que havia de melhor para o momento.

O futebol brasileiro, por necessidade, havia mudado nos anos 1990. Seus times, antes leves e soltos, nos quais a técnica dava uma força ofensiva impressionante, mas a tática deixava a defesa vulnerável, foram substituídos por equipes com um sistema defensivo firmemente postado, com zagueiros mais ríspidos do que técnicos, nos quais a prioridade era não comprometer ou expor a defesa. A ênfase exageradamente defensiva caía por terra com aqueles inapeláveis 7 x 1. Parecia claro que era, mais uma vez, hora do futebol brasileiro se reinventar.

Seria o fim do viés defensivista instaurado desde a conquista da Copa de 94 por Carlos Alberto Parreira e aprimorado pela escola de treinadores do Rio Grande do Sul? Após o Mundial, saía o gaúcho Luiz Felipe Scolari, mas o favorito para assumir seu lugar era o gaúcho Tite, técnico do Corinthians.

A CBF surpreendeu a todos quando nomeou ao gaúcho Dunga, um adepto do jogo de contenção, como novo técnico. O treinador que comandou o ciclo preparatório para a Copa de 2010 foi reconduzido ao posto de treinador da Seleção Brasileira. Não era um sinal que indicasse a preocupação e o desejo de repensar o estilo de jogo canarinho.

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