terça-feira, 31 de março de 2015

Tetra-campeão Mundial

O local escolhido pela FIFA como sede para abrigar a 15ª Copa do Mundo de Futebol foi os Estados Unidos. Entre as seleções de maior tradição no futebol, as três grandes ausências foram Uruguai (eliminado pela Bolívia), Inglaterra (eliminada num grupo em que se classificaram Noruega e Holanda) e França, que, eliminada num grupo em que se classificaram Suécia e Bulgária, pela segunda vez seguida ficava fora, já que não havia obtido a classificação também em 1990. A Argentina por pouco também não ficou de fora: com Maradona em campo, jogou a repescagem contra a Austrália, empatando em 1 x 1 em Sidney e vencendo por 1 x 0 em Buenos Aires.

As 24 seleções classificadas se dividiram em seis grupos. O Grupo A tinha Estados Unidos, Colômbia, Romênia e Suíça. Depois da goleada por 5 x 0 sobre a Argentina, os colombianos estavam cotados entre os favoritos para conquistar o Mundial, mas foram eliminados na primeira fase. A eliminação acabou provocando uma tragédia, o zagueiro Andrés Escobar, que fez um gol contra na partida derradeira da eliminação, foi morto com um tiro após uma briga de bar motivada por uma discussão sobre seu gol contra.

O Grupo B reuniu Brasil, Rússia, Suécia e Camarões. Era a primeira participação russa após a dissolução da União Soviética. O Grupo C tinha Alemanha, Espanha, Bolívia e Coréia do Sul. Já o Grupo D era formado por Argentina, Nigéria, Bulgária e Grécia. O Grupo E reuniu Itália, Noruega, Eire e México. E o Grupo F tinha Holanda, Bélgica, Arábia Saudita e Marrocos.

Depois de obter a classificação sobre o Uruguai, a Seleção Brasileira começou a se preparar com um amistoso contra a Alemanha em Koln, no qual foi derrotada por 2 x 1. Até a Copa, foram apenas mais sete amistosos, vencendo a México, Argentina e Islândia, e empatando com um combinado entre Paris St-Germain e Bordeaux, equipes da França. Na série final de jogos, às vésperas do Mundial, empatou com o Canadá e aplicou duas goleadas: 8 x 2 em Honduras e 4 x 0 em El Salvador. Tendo muitos dos jogos preparatórios sido contra adversários de pouca expressão, como islandeses, canadenses, hondurenhos e salvadorenhos, era difícil saber se o time estava de fato preparado para jogar a Copa do Mundo.

Muitas incertezas também porque às vésperas do torneio três zagueiros que seriam titulares se machucaram. Mozer e Ricardo Gomes foram cortados ainda no Brasil. Ricardo Rocha se lesionou logo na esteia e não pode ser substituído. Com isto, Márcio Santos, que nem figurava na convocação inicial, acabou titular, e Ronaldão também foi convocado.

  
Três fatores a serem destacados na convocação: metade dos convocados atuava em equipes brasileiras; importante notar a presença de um jogador que atuava na recém criada Liga Japonesa, onde o futebol emergia e contratava uma grande quantidade de brasileiros; e por fim, no diversificado grupo de jogadores escolhido por Parreira figurava um jogador de 16 anos que havia se destacado muito no Campeonato Brasileiro, o ainda franzino Ronaldo Nazário, que à época era apenas chamado de Ronaldinho, mas depois virou o Ronaldo Fenômeno.

As críticas à convocação partiam principalmente da imprensa de São Paulo. Queria-se que Cafu fosse o titular na lateral-direita no lugar de Jorginho e que Roberto Carlos tivesse ocupado o lugar de Branco na lateral-esquerda. Grande parte da imprensa pedia também que Palhinha, do São Paulo, estivesse no lugar de Paulo Sérgio.

O grupo brasileiro na primeira fase era um tanto difícil, russos e suecos eram sempre adversários duros de serem superados, e os camaroneses eram sempre a incógnita, pois poderiam ser uma surpresa, como haviam sido em 1982 e 1990.

A campanha brasileira começou num jogo duríssimo contra a Rússia. Sem criatividade, o Brasil chegou poucas vezes ao gol russo, mas nas raras oportunidades criadas, Romário resolveu, fez o primeiro gol e sofreu o pênalti que Raí converteu: 2 x 0.

No segundo jogo, o Brasil estava mais solto. Romário, sempre ele, abriu o placar. Logo no início do segundo tempo mais dois gols. Brasil 3 x 0 Camarões. Já classificado, o Brasil pegou os suecos na última rodada, jogo que ficou num empate em 1 a 1, com Romário mais uma vez resolvendo em jogada individual.

Bebeto

A defesa brasileira estava extremamente sólida, a bola quase não chegava a Taffarel. Aldair e Márcio Santos reinavam na área, mas tinham um paredão defensivo à sua frente no primeiro combate, Mauro Silva e Dunga estavam quase intransponíveis. Jorginho e Leonardo, nas laterais, mantinham a tradição brasileira na posição, ambos muito ofensivos. O sistema defensivo da Seleção Brasileira estava sólido como jamais havia estado em toda a história da camisa canarinho.

Por outro lado, faltava criatividade ao meio de campo. Raí e Zinho não conseguiam municiar o ataque. O problema persistia havia alguns anos, pois tanto Silas, quanto Neto e depois Raí, nenhum deles dava o brilhantismo histórico que a camisa 10 do Brasil tivera com Pelé, Rivelino e Zico. Parreira tentou mudar e mexeu no time, sacou Raí e lançou o polivalente Mazinho no seu lugar. Ele que havia começado a carreira na lateral-esquerda, havia atuado na Copa América de 1989 na lateral-direita, e depois de se transferir para o Palmeiras passou a jogar no meio-campo, fazendo tanto a contenção quanto a armação. Mas sua força era inquestionavelmente mais de defesa do que de ataque, aumentando as críticas a uma falta de ousadia ofensiva no time de Parreira.

Quem vinha resolvendo era o ataque, com Bebeto e Romário. Nas oitavas de final, duelo contra os Estados Unidos, os anfitriões daquele Mundial, num 4 de julho, dia da independência dos EUA. O Brasil jogou mal. Esperava-se mais facilidade. Venceu com um 1 x 0 magro, num gol em que Romário meteu em profundidade para Bebeto tocar na saída do goleiro para as redes. Neste jogo o Brasil perdeu Leonardo, que acertou uma cotovelada no norte-americano Ramos e foi expulso, pegando uma suspensão até o fim da Copa. Mais um desfalque para o confronto contra a temível Holanda nas quartas de final.

Depois de um empate sem gols nos primeiros 45 minutos, fortíssimas emoções estavam reservadas para o segundo tempo. A Holanda era um time bem forte, tinha Ronald Koeman, Frank Rijkkard, Marc Overmars e Dennis Bergkamp. Muitos viam ali a final antecipada daquele Mundial, ainda mais depois que a Alemanha fora eliminada nas quartas de final para a Bulgária, de Hristo Stoichkov, parceiro de Romário no ataque do Barcelona. A Argentina já havia caído nas oitavas para a Romênia, de Gheorge Hagi. Ainda tinha a Itália viva, mas o time de Roberto Baggio não vinha jogando bem, mas muitos lembravam que em 1982 havia sido igual.

Fato é que brasileiros e holandeses proporcionaram um espetáculo de emoções no segundo tempo. Romário fez um gol aos 8 minutos. Bebeto ampliou dez minutos depois. Pronto! 2 x 0. Parada resolvida... Não! Um minuto depois do gol de Bebeto, o camisa 10 holandês Bergkamp diminuiu. Aos 31 minutos, Aron Winter empatou. 2 x 2. Agora nada seguraria a virada... Aos 36, porém, o contestadíssimo lateral-esquerdo Branco teve uma falta para cobrar do meio da intermediária. Soltou um canhotaço! O baixinho Romário, no meio do caminho, teve que se entortar todo para evitar que suas costas tirassem a trajetória da bola, que explodiu na trave, e estufou as redes. Brasil 3 x 2 Holanda. Que jogo!

Na semi-final, num jogo de pouquíssimas chances de gol, Romário, com seu 1,68 metro, escorou de cabeça, aos 35 minutos do segundo tempo, para fazer o gol único do jogo. Depois de 24 anos de espera, a Seleção Brasileira provava novamente o sabor de ser finalista de uma Copa do Mundo. O adversário seria a Itália, seu carrasco de 1982.

Em 17 de julho de 1994, brasileiros e italianos entraram em campo para jogar uma partida tensa. Muito provavelmente a pior final de Copa do Mundo da história no ponto de vista técnico e de emoção. Pouquíssimas chances de gol durante o jogo, e na prorrogação, nenhuma bola na rede, um tedioso 0 x 0. Decisão por pênaltis, um trauma para o Brasil.

O Brasil, até então, só havia disputado três decisões por pênaltis em sua história, duas com a seleção principal e uma com a seleção olímpica. Em jogos da FIFA, perdera duas decisões por pênaltis, para a França nas quartas de final da Copa do Mundo de 1986, e para a Argentina, nas quartas de final da Copa América de 1993. Já nas semi-finais das Olimpíadas de 1988 havia superado a Alemanha, oportunidade na qual o goleiro canarinho era o mesmo Taffarel que se colocaria embaixo da trave naquele dia em Pasadena, na Califórnia.

A Itália começou cobrando. O zagueiro Franco Baresi perdeu. Mas o zagueiro Márcio Santos retribuiu na cobrança seguinte. A partir daí, Albertini, Romário, Evani e Branco puseram 2 x 2 no placar. Era a vez do atacante Daniele Massaro. Não, não era, na verdade era a vez de Cláudio Taffarel, que voou para defender o chute de Massaro. Dunga teria a oportunidade de colocar o Brasil na frente. E já era a quarta de cinco cobranças. O Brasil inteiro, pegado na tela da televisão, sentia o coração palpitar na garganta. O camisa 8 do Brasil não desperdiçou: Brasil 3 x 2 Itália.

Quinta e última cobrança para os italianos. O camisa 10 Roberto Baggio ajeita a bola. Toma distância. Taffarel, imóvel, o aguarda parado sob as traves. Ele corre, chuta, e isola! Bola para fora. 3 x 2. Brasil novamente Campeão do Mundo! O contestado e defensivo time de Parreira. Eita esquadrão de ouro! Bom no samba e no couro.


Taffarel, Jorginho, Aldair, Márcio Santos e Branco, Mauro Silva, Dunga, Mazinho e Zinho, Bebeto e Romário. Os comandados da dupla Carlos Alberto Parreira e Mário Jorge Lobo Zagallo. Campeões Mundiais!

No Brasil, a população explodia em emoção. Como mandava a tradição, milhares estavam aglomerados em espaços públicos – praças, ruas, praias – vendo o jogo em telões, ou agrupados em casas de amigos. Naquele momento não havia brasileiro sozinho. Foram momentos assim que deram ao país um sentimento de união que a sua história, do Brasil, não deu. Um país sempre ocupado e dominado, no qual o povo sempre esteve alijado das principais decisões, onde praticamente nunca houve guerra para construir sentimentos de união nacional. Os vários países que os destinos históricos fizeram questão de deixar agrupados em um único, que se via único, mas poucas vezes se sentia único. A Seleção Brasileira, ao longo do século 20, foi ocupando estes espaços vazios e pondo cimento numa relação que proporcionava alguma identidade a este povo tão diferente entre si, tão miscigenado, tão culturalmente separado, mas que havia aprendido com o futebol a se sentir orgulhoso de si, em suas sinergias e em suas diferenças.


Os eleitos pela FIFA como melhores daquela Copa do Mundo foram: Preud’Homme (Bélgica), Jorginho (Brasil), Márcio Santos (Brasil) e Paolo Maldini (Itália), Dunga (Brasil), Roberto Baggio (Itália) e Gheorge Hagi (Romênia), Tomas Brolin (Suécia), Balakov (Bulgária), Stoichkov (Bulgária) e Romário (Brasil).





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