A pitada final no caráter
exploratório da colonização se deu com a Corrida do Ouro. Os portugueses não
encontraram “ouro a céu aberto” como os espanhóis encontraram no Império Inca.
Mas os mitos de Eldorado, o maior de todos os tesouros existentes sobre a
terra, a “cidade perdida”, nunca encontrada por nenhum explorador até os dias
de hoje, alimentava o sonho dos colonizadores portugueses. Em 1693, apareceram
as primeiras pedras de ouro na região que, em função disto, foi batizada de
Minas Gerais. A quantidade era enorme, levou o Brasil a ser o maior produtor
mundial de ouro, tendo-se extraído 840 toneladas entre 1700 e 1799. O ápice da
exploração do ouro foi o período entre 1752 e 1787, trinta e cinco anos em que foram extraídas 270 toneladas de ouro de Minas. Em 1792, a Conjuração Mineira tentou
obter a Independência das Minas Gerais, com São João Del Rey como capital do
novo estado. Mas Portugal conseguiu reprimir o levante, que acabou com o
enforcamento do “bode-expiatório” Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.
Sob todo este contexto, o marco
determinante de tudo que viria a ser o Brasil se deu no ano de 1808. E tudo em
torno de um ato de covardia, mas que no fundo tão só era uma ação de avareza:
perca-se a pátria, mas jamais as riquezas de além-mar. Dom João VI, rei de
Portugal, toda a família real e toda a nobreza portuguesa meteram-se às pressas
em caravelas, com boa parte de seus bens materiais transportáveis, e partiram rumo ao Brasil, escapando da invasão do exército de Napoleão Bonaparte. Por
trás da decisão, a lógica era: se não há como proteger Portugal, que ao menos
se garanta para nós as inúmeras riquezas advindas das terras brasileiras. Por
trás da partida, a decisão estratégica de preservar o ouro das Minas Gerais, os
lucros do mercado escravo que escoava desde Angola e Moçambique, e as terras de
enorme potencial agrícola. Havia muito poderio econômico em jogo, àquela época
já muito superior aos gerados por Portugal.
Nunca antes na história havia
passado algo similar. Embora os europeus dominassem vastos territórios pelos
quatro cantos do mundo, nunca até aquele momento nenhum monarca europeu havia posto
os pés em seus territórios do outro lado de imensos oceanos. Era um fato sem
precedentes. A capital portuguesa, Lisboa, tinha 200 mil habitantes, tendo sido algo
entre 10 e 15 mil os que fugiram com D. João para o Brasil. Com o príncipe
regente, estavam toda a Família Real, seus Conselheiros, ministros, o alto escalão
das forças armadas, juízes, advogados, comerciantes, médicos, bispos e padres, todos
acompanhados por seus familiares e serviçais. Em 24 de novembro de 1807, o
jornal parisiense “Lê Montieur”, veículo oficial de comunicação do imperador
Napoleão Bonaparte, anunciou: “A Casa de Bragança havia cessado de reinar sobre
a Europa”. Em 29 de novembro, escoltados pela marinha britânica, dois dias
depois das tropas francesas começarem a entrar em Lisboa, partiam as naus rumo
ao Brasil.
A corte escolheu o Rio de
Janeiro, e não a capital Salvador, como o local para aportar. Por que o Rio? Porque
além da proximidade da rota do ouro, a baía de Guanabara era a maior fortaleza
natural do litoral brasileiro. Mais do que pela vasta dimensão e pela ampla
profundidade sob águas calmas, perfeita para as necessidades de navegação à
vela daqueles tempos, sua geografia oferecia proteção militar. A abertura
estreita para o Oceano Atlântico, de menos de dois quilômetros de extensão,
fazia dos navios inimigos alvo fácil para a artilharia em terra. Um bastião
quase que impenetrável, de difícil acesso até para as mais modernas armas de
guerra daquela época. Ao mesmo tempo, cercada de montanhas, facilitava a
observação do fluxo de grandes embarcações, permitindo, entre outras coisas,
monitorar os carregamentos de ouro que a Espanha escoava pelo Rio da Prata.
O Brasil que iria receber o rei
era, naquele tempo, um amontoado de regiões um tanto autônomas, que não tinham
nenhum relacionamento entre si. O país inteiro tinha pouco mais de três milhões
de habitantes, um milhão deles eram escravos. Entre os muitos desafios para a
nova vida da corte, um dos principais era a escassez de moeda circulante, o
comércio ainda era basicamente à base do escambo, mesmo nas maiores cidades,
que nestes dias eram: Vila Rica (hoje Ouro Preto) e Tijuco (hoje Diamantina),
onde se fazia a extração do ouro, e o Rio de Janeiro, que se tornou o porto de
escoação deste ouro, e que com isto viu sua população aumentar por dez vezes antes ainda da
chegada da Corte.
Posteriormente, em 16 de dezembro de 1815, o Rio
de Janeiro foi proclamado sede oficial da Coroa e capital do Reino Unido de
Portugal, Brasil e Algarves. Foi contratada a Missão Artística Francesa, que
trouxe para morar por seis anos no Rio a artistas como Jean Baptiste Debret,
Nicolas Taunay e Auguste Taunay. As drásticas mudanças para transformar um
longínquo povoado na capital de um Império levaram a situações drásticas. A
primeira crise de escassez foi a de galinhas, todas as que estivessem a venda
no Rio de Janeiro seriam priorizadas para os agentes comerciais do rei. Houve
escassez de ovos e frangos, o que levou, entre outras coisas à formação de
mercados negros paralelos, controlados pelos funcionários da dispensa de Dom João.
A troca de favores muitas vezes
superava a escassez, e vagarosamente o clientelismo se espalhava pela sociedade,
de mãos dadas à corrupção. Entre 1808 e 1821, as despesas da Corte triplicaram,
o déficit público crescia sem freio, e era financiado por empréstimos da
Inglaterra. A Coroa Portuguesa, cada vez mais endividada, dependia de grande
emissão de moeda pelo Banco do Brasil e de doações voluntárias que os ricos
donos de terras faziam em troca de favores e privilégios. Já em 1821, um verso
popular das ruas do Rio dizia: “Quem furta pouco é ladrão / Quem furta muito é
barão / Quem mais furta e esconde, passa logo de barão a visconde”.
Foram várias as heranças
recebidas pelo Brasil da Corte de Dom João. A geografia pequena e pouca
população não permitiam que Portugal tivesse uma força militar capaz de
enfrentar Inglaterra, França e Espanha, apesar de algumas vitórias militares
sobre esta última. Portugal sempre teve que se equilibrar entre as forças de
Inglaterra e França, as potências econômicas do continente, e isto o fez hábil
na política de evitar conflitos e buscar soluções que agradassem a todos os
lados. Os portugueses precisavam ser mais diplomáticos do que guerreiros
destemidos.
Só que a força militar portuguesa
que veio acompanhando a Corte à colônia era muito mais forte do que qualquer
aparato militar instalado em qualquer colônia daqueles tempos, fossem elas
inglesas, espanholas ou francesas. Esta força desproporcional reprimia
manifestações de descontentamento e permitia até anseios expansionistas. Em
1817, a província Cisplatina é anexada ao território brasileiro, porém, só lhe
pertenceria por onze anos, vindo, em 1828, a se tornar um país independente, o
Uruguai. Isto se deu após a Guerra Cisplatina entre Brasil e Argentina, países
que reivindicavam sua posse. Por interferência inglesa, fez-se um acordo e o
território não seria nem brasileiro nem argentino, mas independente.
Foi esta força militar
desproporcional que fez a luta de Independência sem derramamento de sangue e
que manteve o Brasil sinergicamente unido após separar-se de Portugal. Não
fosse ela, o Brasil teria passado pelo que se deu na América Hispânica, que se
fragmentou em vários países em torno dos núcleos mais densamente povoados no
período colonial. Mas esta unidade territorial teve que ser conquistada: entre
1835 e 1840 a Revolta da Cabanagem deixou trinta mil mortos no Pará, entre 1837
e 1838, a Revolta da Sabinada tentou proclamar a independência da Bahia, ao
mesmo tempo em que houve a Revolta da Balaiada no Maranhão; entre 1835 e 1845 a
Guerra dos Farrapos tentou proclamar a independência do Rio Grande do Sul, e em
1848, a Revolta da Praieira agitou Pernambuco. O exército do Imperador Dom
Pedro manteve a unidade nacional a ferro e fogo.
A condição que permitiu a unidade
nacional foi a mesma que levou à Independência sem derramamento de sangue em
1822. Em 1808, Napoleão invadiu Portugal e Espanha, a Corte Portuguesa fugiu
para o Brasil, já a espanhola ficou fragilizada, e de sua fragilidade nasceram
as guerras de independência, em 1810, Simon Bolívar conquistava a independência
da Venezuela e da Colômbia, no mesmo ano em que o padre Miguel Hidalgo y
Costilla declarava o México independente da Espanha, e que o general San Martin
conquista a independência da Argentina. Daí, Bolívar partiu para apoiar a
independência do Equador, da Bolívia e de vários países da América Central,
enquanto San Martin deu apoio militar a Bernardo O’Higgins na independência do
Chile, conquistada em 1818, e foi o proclamador da independência do Peru em
1821.
Ao mesmo tempo em que os
territórios vizinhos se fazem independentes da Espanha, em Portugal revoltas
tentando derrubar a monarquia são sufocadas na cidade do Porto em 1817 e 1820. Neste
contexto chega-se a 1822. Em Portugal exigia-se a volta do rei, um manifesto em
Lisboa aclamava que Dom João VI deveria escolher entre “a terra dos macacos,
dos pretos e das serpentes, ou o país da gente branca, civilizada e amante de
seus soberanos”. Se voltasse, a Corte poderia perder o Brasil por guerras
similares às dos vizinhos sul-americanos, se ficasse, poderia perder Portugal,
cada vez mais acalorada por movimentos liberais contra a monarquia. A primeira
opção seria mandar Dom Pedro I e ele, Dom João VI, ficar. Mas a princesa estava
grávida, prestes a ter um filho, e o príncipe não queria cruzar o Atlântico. As
palavras do rei: “pois bem, se meu filho não quer ir, irei, eu”. Antes de
partir, ele chama o príncipe e lhe diz: “Pedro, se o Brasil se separar, antes
seja para ti, que me hás de respeitar, que para algum destes aventureiros”.
Quando foi ouvido às margens do riacho Ipiranda o retumbante
grito por liberdade de um heróico povo, então os raios de sol da liberdade
brilharam ao céu da nova pátria naquele instante. Queria-se que a igualdade
fosse conquistada a braços fortes, se necessário, desafiando seus próprios
peitos à própria morte. Gigante em sua diversificada natureza. Belo e forte
país, um impávido colosso! Que, com ordem e com progresso, o futuro desse novo
gigante espelhasse esta sua grandeza. Um florão da América, iluminado pelo sol
de um novo mundo. Foi uma independência sem derramamento de sangue, sem guerra.
Mas, pela justiça erguia-se uma gente que não fugia à própria luta. Pois dos
filhos deste solo era a mãe gentil, aquela pátria amada, o Brasil. Assim se deu
a Independência do Brasil. Foi uma ruptura sob controle, um grande acordo político
de elites instaladas e economicamente premiadas pelas riquezas coloniais. O
caminho escolhido não era republicano nem tinha nada de revolução, muito pelo
contrário. Em nome dos interesses da elite agrária, a escravidão permaneceria
até 1888, os interesses políticos não mudaram, fazendo as divergências
regionais reaparecerem de tempos em tempos. O Brasil foi declarado um Império
sob as ordens de Dom Pedro I, filho do rei de Portugal, e depois pelo neto, Dom
Pedro II. Só em 15 de novembro de 1889 é que o marechal Deodoro da Fonseca
proclama a República, expulsando a família real Orleans e Bragança.
Nenhum comentário:
Postar um comentário