O histórico de conflitos nos
confrontos do Brasil com a Argentina e com o Uruguai, e neste caso falando-se
de confusões, violência e agressões, é muito longo.
As provocações são quase tão
antigas quanto o nascimento da Seleção Brasileira. Em 1920, o jornal argentino
“La Crítica” inaugurava a expressão “Macaquitos”, a qual os argentinos,
pejorativamente, sempre usaram em relação aos brasileiros. Um termo
preconceituoso, proferido para menosprezar o talento dos jogadores brasileiros.
Naquele ano o time brasileiro passou por Buenos Aires na volta do Chile, onde
disputou o Sul-Americano. O jornal trazia uma charge com o desenho de macacos
trajando o uniforme da Seleção Brasileira.
No Sul-Americano de 1925 - aquele
que foi disputado apenas por Argentina, Brasil e Paraguai - jogado em Buenos
Aires, argentinos e brasileiros decidiram o título na última rodada, um dia de
Natal. O Brasil abriu 2 a 0, gols de Friedenreich e Nilo. Até que Fried e o
argentino Muttis se desentenderam e o desentendimento deu início a uma briga
generalizada no campo do Barracas. A torcida invadiu o gramado e também
participou das agressões aos jogadores brasileiros. Após a confusão uma longa
interrupção, o jogo foi reiniciado e os argentinos conseguiram empatar e se
sagrar campeões.
No Brasil houve até passeata de
protesto na Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, tendo o Itamarati chegado a emitir
um pronunciamento oficial, no qual demonstrava preocupações diplomáticas, pois “o
futebol não aproximava os povos". Como conseqüência, o Brasil ficou 10
anos sem disputar o Campeonato Sul-Americano, só voltando ao torneio em 1935.
Mas não tardou para haverem novos
conflitos. Havia explicitamente ressentimentos que persistiam. Em 1937,
novamente em Buenos Aires, Brasil e Argentina fizeram um jogo extra para decidir
o título sul-americano. Segundo os relatos da delegação brasileira, os
jogadores foram agredidos dentro de campo por adversários, torcedores e também
por policiais argentinos. A Seleção Brasileira tentou abandonar o campo, mas os
acessos aos vestiários do estádio do San Lorenzo foram fechados. O Brasil
acabou perdendo na prorrogação. Como conseqüência, foram mais dois anos sem
novos confrontos entre as duas seleções.
As duas seleções voltariam a se
reencontrar em um campo de futebol em 1939, e houve nova confusão durante a
disputa da Copa Roca. Em 15 de janeiro, a Argentina mostrou a força de seu
futebol e goleou o Brasil por 5 a 1 no Estádio de São Januário, no Rio de
Janeiro. Aquela foi a primeira derrota do Brasil em seu território para uma
seleção estrangeira. Uma semana depois, um empate, novamente no campo do Vasco
da Gama, dava o título para os argentinos. Mas o jogo não acabou bem. Os
visitantes ficaram irritados com a marcação de um pênalti, protestaram, acabaram
sendo agredidos por policiais brasileiros, e abandonaram o campo de jogo. Mesmo
assim, o pênalti foi cobrado, Perácio cobrou e acertou o gol vazio, fazendo 3 a
2 em favor do Brasil. A definição do campeão foi adiada, e seria jogada no
campo do Palestra Itália, em São Paulo. E eis que houve um novo pênalti polêmico
nos minutos finais, quando a Argentina vencia por 1 a 0. Todos alegavam que a
falta teria sido fora da área. Leônidas cobrou e empatou. Uma semana depois, no
entanto, no mesmo local, a Argentina ganhou por 3 a 0 e conquistou a Copa Roca.
Houve uma nova confusão entre
brasileiros e argentinos na final do Campeonato Sul-Americano de 1946, em
Buenos Aires. Antes do início da final, o zagueiro Battagliero, que quebrou a
perna num choque com Ademir Menezes num jogo que aconteceu um ano antes no Rio
de Janeiro, desfilou pelo campo do River Plate carregado em uma maca, e fez
ferver os ânimos dos torcedores no local. Para piorar, durante o primeiro
tempo, em uma disputa de bola com Jair da Rosa Pinto, o argentino Salomón também
quebrou a perna. Os jogadores argentinos partiram em direção a Jair para
agredi-lo. Torcedores e policiais invadiram o campo. Na briga, o ponta Chico
chegou a ficar desacordado e precisou de reanimação. Houve cerca de 50 minutos
de paralisação. Não tardou para os jogadores voltarem a se desentender e o jogo
ficar parado por mais vinte minutos. Quando o jogo foi retomado, o Brasil
perdeu por 2 x 0. Aquele grave incidente contribuiu para a decisão da Argentina
de se recusar a participar da Copa do Mundo de 1950, realizada no Brasil.
Já no Campeonato Sul-Americano de
1959, mais uma vez em Buenos Aires, a confusão foi com os uruguaios. O Brasil chegava
como campeão mundial e era apontado pela imprensa como o dono do melhor futebol
do planeta. A animosidade a isto não resistiu pacificamente quando Brasil e
Uruguai jogaram no Estádio Monumental de Nuñez, pertencente ao River Plate.
Reza a lenda que tudo começou em função das provocações constante dos uruguaios
dentro de campo. Os brasileiros então revidaram violentamente e a confusão foi
formada.
O Brasil venceu o jogo por 3 x 1,
com três gols de Paulinho Valentim, numa virada no segundo tempo, pois o
primeiro terminou 1 x 0 em favor dos uruguaios. O jogo teve que ser paralisado
duas vezes por dois conflitos generalizados envolvendo todos os jogadores das
duas equipes, o primeiro deles logo no início, quando o placar ainda não
apontava gols. Numa bola levantada na área uruguaia, Almir Pernambuquinho,
jogador conhecido pelo gênio explosivo, subiu com o goleiro Leivas e e o
zagueiro Martinez e, na queda, caiu sobre o goleiro uruguaio. Pelé, então um
garoto de apenas 18 anos, correu e abriu os braços para proteger Almir. Por
trás, os uruguaios Gonçalves e Davoine empurraram e chutaram Pelé, que revidou
os empurrões. Martinez correu para cima de Pelé, mas acabou sendo derrubado pelo
massagista brasileiro Mário Américo, que a esta altura já correra para dentro
do campo para atender Almir, que permanecia caído. Martinez e Mario Américo
rolaram pelo chão embolados, Pelé e o lateral brasileiro Coronel chutaram
Martinez, Gonçalves saiu correndo atrás do ponta brasileiro Chinezinho, e
acabou levando um soco violentíssimo diferido por Paulinho Valentim. Na
confusão, Bellini acabou com o ombro deslocado. O goleiro brasileiro Castilho
teve um corte no supercílio e o zagueiro Orlando perdeu dois dentes.
Acalmados os ânimos, o juiz
chileno Carlos Robles expulsou a Almir e Orlando do Brasil, e a Davoine e
Gonçalves do Uruguai. Com nove de cada lado, foi o Uruguai quem abriu o placar.
No segundo tempo, o Brasil virou. Mas foi o juiz apitar o fim do jogo e a
confusão recomeçou. O uruguaio Sasia estendeu a mão para cumprimentar Bellini,
que ao estender a mão direita, recebeu um violento soco no rosto. Didi, então,
voou com os dois pés juntos no peito do uruguaio, e recomeçou toda a confusão
de novo. O jogo ficou sendo chamado de “A Batalha do Rio da Prata”.
Confusão similar aconteceu no
Maracanã em 1976, valendo pela Taça do Atlântico, um quadrangular entre Brasil,
Uruguai, Argentina e Paraguai. Assim como em 1959, os uruguaios venceram o primeiro
tempo por 1 x 0, e o Brasil virou no segundo tempo, vencendo por 2 x 1. Houve
vários tumultos e num deles Rivelino teria puxado o cabelo de um adversário. O
lateral direito uruguaio Sérgio Ramirez prometeu vingança. Assim que o juiz
apitou o fim do jogo, ele partiu em disparada em direção a Rivelino, que fugiu
correndo, escorregou pelas escadas. Sozinho na entrada do vestiário brasileiro,
o uruguaio acabou cercado e agredido por brasileiros, mas logo socorrido pelo
time uruguaio inteiro, numa troca generalizada de agressões.
A história de brigas
generalizadas nas competições sul-americanas entre clubes também recheia a
história destes conflitos. Entre as mais recentes, brasileiros e argentinos
acabaram se engalfinhando nos jogos: Flamengo x Vélez Sarsfield, pela Supercopa
de 1995, Lanus x Atlético Mineiro, pela Copa Conmebol de 1997, São Paulo x
River Plate, pela Copa Sul-Americana de 2003, Argentinos Juniors x Fluminense,
pela Libertadores 2011, São Paulo x Tigre, na final da Copa Sul-Americana 2012,
e Atlético Mineiro x Arsenal de Sarandí, na Libertadores 2013.
Mas não só o Brasil sofreu com as constantes
provocações de argentinos e uruguaios. Em 1960 foi criado o Mundial Interclubes
(Copa Intercontinental), um confronto entre o campeão europeu e o campeão
sul-americano em jogos de ida e volta. Os europeus sofreram nas suas viagens à
América do Sul. Nas edições de 1967, 1968 e 1969 houve brigas generalizadas e
agressões nos jogos disputados na Argentina, a mais grave no jogo entre Milan e
Estudiantes em Buenos Aires em 69, quando o jogador Combin, um argentino
naturalizado francês que defendia o Milan, acabou desacordado e ensanguentado. Em
conseqüência, em 1971 o campeão Ajax, da Holanda, negou-se a jogar no Uruguai, e
acabou substituído pelo vice-campeão, o Panathinaikos, da Grécia. Em 73 e em 74
houve novas negativas para idas à Argentina enfrentar o Independiente, os
vice-campeões Juventus e Atlético de Madrid substituíram aos campeões Ajax e
Bayern Munique. Em 77 e em 78, o Liverpool, da Inglaterra, também se negou a viajar
à Argentina, no primeiro destes dois anos, foi substituído pelo Borussia Monchengladbach,
vice, e em 78 sequer houve a disputa. Em 79, o campeão Nottingham Forest, da
Inglaterra, foi substituído pelo Malmoe, da Suécia, que fora o vice da Europa. Tamanha
era a aversão, que a partir de 1980 o torneio passou a ser em campo neutro, num
jogo único disputado em Tóquio, no Japão.
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