Nos Anos 1930, a Seleção Brasileira havia fracassado nas Copas do Mundo de 1930 e 1934 ambas as vezes logo na primeira partida. Na América do Sul, havia tido um bom desempenho numa excursão que fez ao Uruguai em 1932, vencendo aos três jogos disputados, e havia estado relativamente perto de conquistar pela primeira vez um título de Campeonato Sul-Americano jogando no exterior, mas acabou derrotada pela anfitriã Argentina na prorrogação. Assim, até aquele ano de 1938 não havia aparecido ainda um indício firme de que o Brasil seria capaz de figurar no primeiro escalão do futebol internacional. A conquista definitiva de uma auto-confiança que lhe mostrasse ser capaz de estar entre os maiores veio com aquela geração que jogou a Copa do Mundo de 1938, disputada na França!
Era apenas a segunda vez que a Seleção Brasileira viajava para a Europa em sua história. Na primeira, em 1934, após disputar a Copa do Mundo daquele ano, focada em evoluir, buscou fazer amistosos naqueles países que tinham sido seus algozes nos Mundiais de 30 e 34. As passagens por Iugoslávia e Espanha foram sem vitórias, que só aconteceram nos amistosos jogados em Portugal.
Mas o mais importante havia: comprometimento e foco da Confederação Brasileira para projetar o futebol nacional no cenário global. Ainda que nos Anos 1930 a logística de cruzar o Oceano Atlântico fosse complexa, com longas viagens apenas por navio, naqueles tempos nos quais ainda não existia Eliminatórias e a participação na Copa do Mundo era exclusivamente por convite, o Brasil esteve entre os únicos 4 países que atenderam à convocação da FIFA e estiveram presentes em todas as três edições do Mundial disputadas antes da paralisação imposta pela Segunda Guerra Mundial. Além da Seleção Brasileira, somente França, Bélgica e Romênia participaram das edições de 1930, 1934 e 1938.
O Brasil estava focado em fazer seu futebol crescer. Tinha desvantagem para seus dois grandes rivais na América do Sul, mas o desempenho deles em solo europeu mostrava como era difícil a missão de buscar protagonismo do outro lado do oceano. A Seleção Brasileira teve uma grande desvantagem para o Uruguai na largada do confronto direto entre ambos, tendo nos 10 primeiros jogos, entre 1916 e 1923, perdido 6 vezes, empatado 2 e vencido apenas 2 vezes. Nos Anos 1930, venceu os três duelos que fez contra os uruguaios. Contra a Argentina, nos 18 primeiros confrontos disputados entre 1914 e 1937, perdeu 10 vezes, contra 3 empates e 5 vitórias. Na Copa de 34, assim como o Brasil, os argentinos caíram logo no primeiro jogo, equivalente às oitavas de final, sendo derrotados pela Suécia. Na Copa de 38, nem argentinos nem uruguaios disputaram o torneio. Pela soma destes fatores, pode-se considerar o sucesso brasileiro na França como a primeira grande surpresa da história dos Mundiais de futebol.
A Seleção Brasileira formada para jogar aquela Copa era essencialmente carioca, tendo 10 dos 11 jogadores mais utilizados sido de equipes do Rio de Janeiro: 4 do Botafogo, 3 do Flamengo, 2 do Fluminense e 1 do São Cristóvão. Assim como também era do futebol carioca o treinador, Adhemar Pimenta, que antes da seleção, acumulava passagens como técnico a frente de Bangu, Madureira e São Cristóvão.
A histórica campanha se iniciou com uma vitória antológica sobre a Polônia no primeiro jogo, válido pelas oitavas de final. Uma vitória um tanto subestimada em importância na história da Seleção Brasileira. Foi um jogaço, considerado o melhor daquela edição da Copa do Mundo. O quanto teria atrapalhado ao desenvolvimento da seleção do Brasil uma segunda eliminação seguida logo no primeiro jogo? Qual teria sido o golpe na auto-estima do futebol brasileiro se não tivesse acontecido um desempenho tão grandioso na fase anterior à Segunda Guerra Mundial? Tudo começou naquela vitória de epopeia sobre os poloneses.
O duelo contra a Polônia foi um jogo de superação física e psicológica. Leônidas marcou primeiro, mas não tardou para os poloneses empatarem. Antes do intervalo, no entanto, os armadores do time, Romeu e Perácio, marcaram uma vez cada um e colocaram 3 a 1 em favor do Brasil no placar. A classificação parecia bem encaminhada, mas as emoções que estavam por vir ainda seriam intensas. Nos quinze minutos iniciais da etapa final, Wilimowski marcou duas vezes e deixou tudo igual de novo. Mas o bom time brasileiro não se entregou, e Perácio marcou o segundo dele no jogo: 4 a 3. Quando tudo parecia resolvido, Wilimowski marcou o terceiro dele na tarde - aos 44 minutos do 2º tempo - gerando um empate que levava a partida à prorrogação.
Foi então que emergiu aquele que se consagraria como o grande herói brasileiro naquela Copa do Mundo. O time poderia ter se abalado com o empate sofrido no minuto final, mas manteve o brio, e na primeira metade do tempo extra Leônidas marcou duas vezes. A curiosidade é que um destes gols foi marcado com pé descalço. O centroavante brasileiro perdeu a chuteira, mas seguiu o movimento de ataque, e descalço concluiu para dentro da rede. A seleção sustentou o 6-4 até os minutos finais, quando Wilimowski marcou mais um - seu quarto gol naquele jogo - e deixou os minutos finais tensos para os brasileiros. Mas o time conteve a pressão e, com este histórico 6 a 5, a Seleção Brasileira avançou pela primeira vez às quartas de final em sua história.
No segundo jogo o adversário era a imponente Tchecoslováquia, vice-campeã da Copa do Mundo de 1934, com seu renomado atacante Nejedly, eleito para o "Onze Ideal" naquela Copa de 34. O Brasil teve uma atuação tão superior, que consagrou ao goleiro Planicka, que fez tantas defesas difíceis naquela tarde, que também acabou escolhido para o "Onze Ideal" daquela Copa do Mundo. Leônidas, herói das oitavas de final com três gols, sofreu marcação dura, mas foi mais uma vez protagonista, marcando o gol brasileiro na etapa inicial. No segundo tempo, no entanto, o craque Nejedly conseguiu marcar o gol de empate. A partida terminou 1 a 1, indo para a prorrogação, onde o empate persistiu, forçando um jogo desempate, a ser disputado dois dias depois.
Para esta partida desempate, os treinadores pouparam praticamente todos seus titulares, exaustos fisicamente. O Brasil só repetiu dois nomes do confronto anterior, o goleiro Wálter e o herói Leônidas. Esforço para conseguir uma vaga na semi-final. A Tchecoslováquia abriu a contagem no primeiro tempo. Atrás no placar, a seleção não se entregou, e mais uma vez foi psicologicamente forte para virar na etapa final, com gols de Leônidas e Roberto.
Seleção Brasileira em 1938
A partida semi-final era contra a Itália, e aconteceria dois dias depois do jogo desempate. O esforço concentrado para superar aos tchecos cobrou seu preço, com Leônidas não tendo condições físicas para enfrentar aos italianos, com as pernas exaustas e doloridas pelos 210 minutos de futebol que havia jogado nos quatro dias anteriores.
Pela frente, desfalcado de seu goleador, o Brasil tinha ninguém menos do que a então Campeã Mundial. Romeu foi improvisado como centroavante na vaga de Leônidas, e Luisinho entrou no time. Foi um jogo duro, com o primeiro tempo se arrastando num disputado empate sem gols. Mas no início da etapa final, os italianos marcaram. Pouco depois o árbitro assinalou um pênalti a favor da Itália, muito contestado pelos brasileiros. Meazza converteu e fez 2 a 0. No fim, a seleção descontou e marcou seu gol de honra. Mas o sonho de chegar à final sucumbiu ali.
A Itália, que havia superado a Noruega, França e Brasil, na final venceu à Hungria por 4 x 2 e se sagrou Bi-Campeã Mundial. Um time formado por: Olivieri, Alfredo Foni e Pietro Rava; Serantoni, Andreolo e Locatelli; Biavati, Giuseppe Meazza, Silvio Piola, Giovanni Ferrari e Colaussi, treinados mais uma vez por Vittorio Pozzo. E pela primeira vez em sua história o Brasil teve jogadores escolhidos para o "Onze Ideal" da Copa do Mundo, e foram dois! Os escolhidos pela FIFA como a "Seleção da Copa" foram: Planicka (Tchecoslováquia), Domingos da Guia (Brasil) e Pietro Rava (Itália); Foni (Itália), Andreolo (Itália) e Locatelli (Itália); Zsengeller (Hungria), Sarosi (Hungria), Leônidas da Silva (Brasil), Silvio Piola (Itália) e Colaussi (Itália).
Itália Campeã Mundial em 1938
Aquele time brasileiro de 1938 tinha um brio de superação que parecia ser inabalável. E o mostrou mais uma vez na decisão de 3º lugar. O duelo era contra a Suécia, que com 38 minutos transcorridos de partida colocou 2 a 0 no placar. O Brasil não se entregou. Antes ainda do intervalo, Romeu descontou. No segundo tempo, Leônidas marcou duas vezes, para se consagrar como artilheiro máximo daquela Copa do Mundo, com 7 gols, virando o placar. Ainda houve tempo para Perácio marcar mais um na reta final de jogo. A Seleção Brasileira conquistava assim um honroso 3º lugar no Mundial. Um resultado histórico! Os jogadores foram aclamados como heróis nacionais no regresso ao país, tendo um deles, em especial, tornado-se uma celebridade: Leônidas da Silva. Ele se tornou garoto propaganda de vários comerciais. Foi o primeiro jogador de futebol no Brasil a viver momentos verdadeiramente de idolatria. E numa sociedade que tão só uma década antes tinha dificuldades de aceitar a presença da pele mais escura no meio futebolístico. E já em 1938, o "Diamante Negro" foi aclamado como o maioral do país.
05/06/1938 - BRASIL 6 x 5 POLÔNIA
Copa do Mundo - Estádio La Meinau, Strasburgo, França
Gols: Leônidas da Silva (18'1T), Scherfke (23'1T), Romeu Pelliciari (25'1T), Perácio (44'1T), Wilimowski (8'2T) e (14'2T), Perácio (26'2T), Wilimowski (44'2T), Leônidas da Silva (3'1T Prorrogação) e (14'1T Prorrogação), e Wilimowski (13'2T Prorrogação)
Brasil: Batatais (Fluminense), Domingos da Guia (Flamengo) e Machado (Fluminense); Zezé Procópio (Botafogo), Martim Silveira (Botafogo) e Afonsinho (São Cristóvão); Lopes (Corinthians), Romeu Pelliciari (Fluminense), Leônidas da Silva (Flamengo), Perácio (Botafogo) e Hércules (Fluminense).
Téc: Adhemar Pimenta
Polônia: Edward Madejski (Wisla Cracóvia), Wladyslaw Szczepaniak (Polonia Varsóvia) e Antoni Galecki (LKS Lodz); Wilhelm Gora (Wisla Cracóvia), Edward Nyc (Polonia Varsóvia) e Ewald Oskar Dytko (Dab Katowice); Ryszard Piec (Naprzod Lipiny), Leonard Piontek (AKS Chorzow), Fritz Scherfke (Warta Poznan), Ernest Wilimowski (Ruch Hajduki Wielkie) e Gerard Wodarz (Ruch Hajduki Wielkie).
Téc: Jozef Kaluza
12/06/1938 - BRASIL 1 x 1 TCHECOSLOVÁQUIA
Copa do Mundo - Estádio Parc Lescure, Bordeaux, França
Gols: Leônidas da Silva (30'1T) e Nejedly (20'2T)
Brasil: Wálter Goulart (Flamengo), Domingos da Guia (Flamengo) e Machado (Fluminense); Zezé Procópio (Botafogo), Martim Silveira (Botafogo) e Afonsinho (São Cristóvão); Lopes (Corinthians), Romeu Pelliciari (Fluminense), Leônidas da Silva (Flamengo), Perácio (Botafogo) e Hércules (Fluminense).
Téc: Adhemar Pimenta
Tchecoslováquia: Frantisek Planicka (Slavia Praga), Jaroslav Burgr (Sparta Praga) e Ferdinand Daucik (Slavia Praga); Josef Kostalek (Sparta Praga), Jaroslav Boucek (Sparta Praga) e Vlastimil Kopecky (Slavia Praga); Jan Riha (Sparta Praga), Ladislav Simunek (Slavia Praga), Josef Ludl (Viktoria Zizkov), Oldrich Nejedly (Sparta Praga) e Antonin Puc (Slavia Praga).
Téc: Josef Meissner
14/06/1938 - BRASIL 2 x 1 TCHECOSLOVÁQUIA
Copa do Mundo - Estádio Parc Lescure, Bordeaux, França
Gols: Kopecky (25'1T), Leônidas da Silva (12'2T) e Roberto (17'2T)
Brasil: Wálter Goulart (Flamengo), Jaú (Vasco) e Nariz (Botafogo); Brito (América), Brandão (Corinthians) e Argemiro (Portuguesa Santista); Roberto (São Cristóvão), Luisinho Mesquita (Palestra Itália/SP), Leônidas da Silva (Flamengo), Tim (Fluminense) e Patesko (Botafogo).
Téc: Adhemar Pimenta
Tchecoslováquia: Karel Burkert (Zidenice Brno), Jaroslav Burgr (Sparta Praga) e Ferdinand Daucik (Slavia Praga); Josef Kostalek (Sparta Praga), Jaroslav Boucek (Sparta Praga) e Josef Ludl (Viktoria Zizkov); Vaclav Horak (Slavia Praga), Karel Senecky (Sparta Praga), Arnost Kreuz (Teplitzer), Vlastimil Kopecky (Slavia Praga) e Oldrích Rulc (Zidenice Brno).
Téc: Josef Meissner
16/06/1938 - BRASIL 1 x 2 ITÁLIA
Copa do Mundo - Estádio Velodrome, Marselha, França
Gols: Colaussi (6'2T), Giuseppe Meazza (15'2T) e Romeu Pelliciari (42'2T)
Brasil: Wálter Goulart (Flamengo), Domingos da Guia (Flamengo) e Machado (Fluminense); Zezé Procópio (Botafogo), Martim Silveira (Botafogo) e Afonsinho (São Cristóvão); Lopes (Corinthians), Luisinho Mesquita (Palestra Itália/SP), Romeu Pelliciari (Fluminense), Perácio (Botafogo) e Patesko (Botafogo).
Téc: Adhemar Pimenta
Itália: Aldo Olivieri (Lucchese), Alfredo Foni (Juventus) e Pietro Rava (Juventus); Pietro Serantoni (Roma), Michele Andreolo (Bologna) e Ugo Locatelli (Ambrosiana-Inter), Amedeo Biavatti (Bologna), Giuseppe Meazza (Ambrosiana-Inter), Silvio Piola (Lazio), Giovanni Ferrari (Ambrosiana-Inter) e Gino Colaussi (Triestina).
Téc: Vittorio Pozzo
19/06/1938 - BRASIL 4 x 2 SUÉCIA
Copa do Mundo - Estádio Parc Lescure, Bordeaux, França
Gols: Sven Jonasson (28'1T), Nyberg (38'1T), Romeu Pelliciari (44'1T), Leônidas da Silva (18'2T) e (29'2T), e Perácio (35'2T)
Brasil: Batatais (Fluminense), Domingos da Guia (Flamengo) e Machado (Fluminense); Zezé Procópio (Botafogo), Brandão (Corinthians) e Afonsinho (São Cristóvão); Roberto (São Cristóvão), Romeu Pelliciari (Fluminense), Leônidas da Silva (Flamengo), Perácio (Botafogo) e Patesko (Botafogo).
Téc: Adhemar Pimenta
Suécia: Henock Abrahamsson (Garda), Ivar Eriksson (Sandvikens) e Erik Nilsson (Malmo); Erik Almgren (AIK), Arne Linderholm (Sleipner) e Kurt Svanstrom (Orgryte); Sven Jonasson (Elfsborg), Erik Persson (AIK), Arne Nyberg (IFK Gotemburgo), Harry Andersson (Sleipner) e Ake Andersson (GAIS Gotemburgo).
Téc: Jozsef Nagy
RESUMO:
Seleção Brasileira de 1938:
Wálter Goulart (Flamengo), Domingos da Guia (Flamengo) e Machado (Fluminense); Zezé Procópio (Botafogo), Martim Silveira (Botafogo) e Afonsinho (São Cristóvão/RJ); Lopes (Corinthians), Romeu Pelliciari (Fluminense), Leônidas da Silva (Flamengo), Perácio (Botafogo) e Patesko (Botafogo).
Artilharia: Leônidas da Silva (7), Perácio (3), Romeu Pelliciari (3) e Roberto (1)
Participação:
5 jogos: --
4 jogos: Domingos da Guia, Machado, Zezé Procópio, Afonsinho, Romeu Pelliciari, Leônidas da Silva e Perácio
3 jogos: Wálter Goulart, Martim Silveira, Lopes e Patesko
2 jogos: Batatais, Brandão, Roberto, Luisinho Mesquita e Hércules
1 jogo: Jaú, Nariz, Brito, Argemiro e Tim
Nenhum comentário:
Postar um comentário