O futebol é a plena representação
da sociedade brasileira, uma relação que se tornou tão íntima no decorrer da
história, que um passou a ser o espelho do outro. Muito provavelmente aqueles
que melhor entendem a força desta relação no Brasil são aqueles que tentam
fazer outros esportes no país. Eles, melhor do que ninguém, têm a consciência
da força que o futebol tem na cultura e na sociedade. Para atletas, dirigentes
e profissionais que se dedicam a outras práticas desportivas no Brasil, tudo é
mais difícil: obter visibilidade, captar recursos, sobreviver economicamente,
conseguir espaço na mídia, ter atenção.
Mas há uma evolução no tempo.
Gradualmente, o Brasil deu cada vez mais espaço para outras práticas
desportivas. Outros ícones, outros heróis, a aptidão que o país tem para a
prática esportiva acabou fazendo com que outros esportes crescessem e tivessem
visibilidade, angariando mais fundos de financiamento e estando mais presente
na imprensa. Mas tudo teve que ser conquistado com muita luta e força de
vontade, com trabalho duro, e os resultados foram aos poucos sendo obtidos,
pela abnegação e dedicação daqueles que amavam outros esportes que não o
futebol.
Nos anos 1950 e 1960 houve o
basquete masculino do técnico Kanela, e de Algodão, Wlamir Marques e Amauri
Pasos, bi-campeão mundial em 1959 e 1963. Houve os títulos de Maria Esther
Bueno no tênis feminino, sete vezes campeã de simples em dois torneios que
viriam a compor o Grand Slam (Wimbledom e US Open). Houve as duas medalhas
olímpicas de ouro de Ademar Ferreira da Silva no salto triplo, em 1952 e 1956.
E houve os títulos mundiais de Éder Jofre no boxe. Conquistas que fizeram que o
povo fosse aos poucos descobrindo outras modalidades, levando outras práticas a
conquistar espaços rumo ao sonho de fazer do país uma potência multidesportiva.
Os resultados em Jogos Olímpicos
permitem visualizar esta evolução. Tomando o quadro de medalhas até as
Olimpíadas de Montreal, em 1976, o Brasil havia conquistado 3 medalhas de ouro,
2 medalhas de prata e 13 medalhas de bronze. Um total de 18 medalhas apenas. Os
três ouros olímpicos foram os dois de Ademar Ferreira da Silva, em 1952 e 1956,
e um precursor, conquistado em 1920, na Antuérpia, no tiro esportivo, obtido
por Guilherme Paraense. As duas pratas foram conquistadas uma no tiro, também
em 1920, e outra no salto triplo, obtida em 1968. Portanto, até 1976, só dois
esportes haviam levado o Brasil aos dois lugares mais altos do pódio, o tiro
esportivo e o salto triplo.
Já as treze medalhas de bronze
conquistadas foram: três no basquete masculino (1948, 1960 e 1964), três no
atletismo, duas na natação, duas na vela, uma no boxe, uma no tiro esportivo e
uma no judô. Era um embrião da cara multidesportiva do país.
Se tinham sido 18 as medalhas
conquistadas em todos os Jogos Olímpicos até 1976, só nas três Olimpíadas
disputadas nos anos 1980 o Brasil conseguiu conquistar as mesmas 18 medalhas
conquistadas na história pré-80, e com uma distribuição mais favorável: 4
ouros, 7 pratas e 7 bronzes. As quatro medalhas de ouro foram conquistadas duas
delas na vela (ambas em 1980), mais uma obtida por Joaquim Cruz na prova de 800
metros, no atletismo, em 1984, e outra por Aurélio Miguel, no judô, em 1988.
Nos dois jogos seguintes, em
Barcelona 1992 e Atlanta 1996, outras 18 medalhas mais, e mais uma vez com uma
distribuição melhor: 5 ouros, 4 pratas e 9 bronzes. O degrau mais alto do pódio
foi conquistado pelo vôlei masculino em 1992 e pelo vôlei de praia feminino em
1996, além de mais dois ouros na vela e um no judô.
Nas três Olimpíadas disputadas na
primeira década do século XXI, a quantidade de medalhas foi ainda maior,
duplicaram! Foram 37 medalhas, sendo 8 ouros, 12 pratas e 17 bronzes. Só em
Atenas 2004, foram cinco medalhas de ouro, colocando o Brasil na 16ª posição do
quadro de medalhas daqueles jogos.
E a tendência indicava uma
evolução constante. Só em Londres 2012, o Brasil obteve 17 medalhas. Uma vez
que os Jogos Olímpicos de 2016 seriam disputados no Rio de Janeiro, o viés era
de mais conquistas diante de sua torcida, sacramentando um quadro de aumento na
quantidade de conquistas década a década, como foi sendo desenhado a partir de
1980.
Até as Olimpíadas de 2012, o
Brasil tinha acumulado 108 medalhas: 23 ouros, 30 pratas e 55 bronzes. A
dispersão das conquistas mostra toda a multidesportividade.
A vela, ou iatismo, lidera em
conquistas: 6 ouros, 3 pratas e 8 bronzes. É o esporte que deu ao Brasil seus
dois maiores heróis olímpicos: Robert Scheidt (2 ouros, 2 pratas e um bronze,
além de 13 vezes campeão mundial) e Torben Grael (2 ouros, 1 prata e 2 bronzes,
além de 4 vezes campeão mundial).
No atletismo foram 14 medalhas: 4
ouros, 3 pratas e 7 bronzes. No judô foram 19 medalhas: 3 ouros, 3 pratas e 13
bronzes. No vôlei foram 9 medalhas: 4 ouros, 3 pratas e 2 bronzes, e no vôlei
de praia foram 11 medalhas: 2 ouros, 6 pratas e 3 bronzes. A natação conquistou
13 medalhas: 1 ouro, 4 pratas e 8 bronzes.
Os heróis olímpicos surgiam em
esportes cada vez mais diversificados, como Rodrigo Pessoa, no hipismo, medalha
de ouro em 2004, e César Cielo, o homem mais rápido do mundo nas piscinas,
medalha de ouro na prova de 50 metros, na natação, em 2008.
Fenômenos proliferavam em
diferentes esportes, até naqueles em que o Brasil historicamente não tinha
tradição, como o caso do tênis, que viu Gustavo Kuerten, o Guga, surgir
meteoricamente, surpreendendo o mundo, para vencer três vezes o Torneio de
Roland Garros, em 1997, 2000 e 2001, tendo ainda sido campeão do Master Cup em
2000, ano no qual terminou a temporada como número 1 do mundo.
O maior caso de sucesso depois do
futebol, no entanto, foi o vôlei. A vocação brasileira começou a aflorar com as
conquista da medalha de prata do vôlei masculino nas Olimpíadas de Los Angeles
1984. Em Barcelona 1992, o vôlei masculino surpreendeu aos favoritos e
conquistou o ouro. Iniciava-se ali uma era de conquistas. O vôlei masculino do
Brasil ganhou dois ouros olímpicos (1992 e 2004) e três pratas, foi duas vezes campeão
da Copa do Mundo e três vezes campeão do Campeonato Mundial, ainda tendo
vencido nove vezes a Liga Mundial. Já o vôlei feminino também ganhou dois ouros
olímpicos (2008 e 2012) e foi nove vezes campeão do Grand Prix Mundial.
No basquete feminino, o Brasil
foi campeão mundial em 1994, com uma equipe fantástica liderada por um trio
maravilhoso: Hortência Marcari, Magic Paula (ou Paula Silva para a imprensa
internacional) e Janeth Arcain. O basquete masculino, com Oscar Schimdt, foi
campeão pan-americano em 1987, título que conseguiu repetir por três vezes
consecutivas em 1999, 2003 e 2007.
A capacidade multidesportiva do
Brasil não parava de surpreender, como em 2013, quando o handebol feminino do
país, que nunca havia figurado entre os quatro primeiros em nenhuma edição
anterior, sagrou-se campeão mundial, tendo brilhado a goleira, Bárbara Arenhart,
a goleadora Alexandra Nascimento, e a eleita como melhor jogadora da competição, Eduarda
Amorim.
O Brasil sempre teve uma vocação
esportiva nata, talvez conseqüência de seu tropicalismo geográfico. Desta vocação,
veio o sonho de se tornar uma potência multidesportiva. A produção de heróis
nacionais deixava aos poucos de ser exclusividade do futebol, mas este nunca
perdeu sua majestade e sua hegemonia como principal paixão nacional.
Nenhum comentário:
Postar um comentário