segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

A total mudança de padrão na forma de jogo brasileira

Se tornou algo muito comum de ser escutado, mais até na boca de estrangeiros do que até propriamente na de brasileiros, que o time canarinho andou jogando algo que não era o "verdadeiro futebol brasileiro". Houve mesmo uma mudança? Teria sido uma evolução natural? Por que mudou? Quando mudou? Como mudou? Qual foi a mudança, ou foram as mudanças, no estilo de jogo brasileiro?

É muito comum se escutar que a derrota no Estádio Sarriá em 1982 foi a responsável por tudo. A partir dali decidiu-se abdicar de se jogar bonito e decidiu-se jogar para ganhar. Não foi só a perda daquela Copa do Mundo, não foi só aquele jogo, mas inegavelmente a vitória da Itália por 3 x 2 significou muito e teve importância para o Brasil sentir a necessidade de mudar. Aquela equipe brasileira era tecnicamente fantástica, uma máquina de fazer gols, mas não era tão eficiente quanto se imaginava.

Houve três mudanças muito significativas no jogo da Seleção Brasileira e do futebol brasileiro como um todo. Estes três fatores aconteceram na segunda metade dos anos 1980. O primeiro fator foi a importância de se implementar um padrão tático que deixasse as equipes brasileiras menos vulneráveis defensivamente. O lado técnico fazia as equipes serem máquinas ofensivas. Era preciso defender melhor. O segundo fator era diminuir a leveza do jogo brasileiro. Jogadores franzinos e rápidos, apesar de ariscos, eram vulneráveis a marcações mais ríspidas da defesa adversária. O terceiro fator foi imposto pela globalização econômica: houve uma migração massiva de brasileiros para a Europa e os jogadores que para lá foram, passaram a ser doutrinados por seus treinadores a um outro estilo de jogo.

Em paralelo, é no final dos anos 80 que se massificam as transmissões televisivas ao vivo do futebol europeu, os brasileiros passam a ver todo fim de semana nas TVs de suas casas o estilo que só costumavam ver durante os Mundiais, e os técnicos brasileiros passaram a ser influenciados por isto. Nos Campeonatos Brasileiros de 1988 e 1989 surgem várias equipes com uma formação tática nova, testando uma formação com três zagueiros e não mais dois. O terceiro zagueiro seria um líbero, atuando na sobra e na proteção da dupla de zaga na hora em que a equipe defendia, e avançando como se fosse um meio-campista na hora em que a equipe atacava. Esta função já era feita por Beckenbauer na Alemanha de 1974, mas foram as transmissões do Campeonato Italiano pela TV Bandeirantes, durante os almoços de domingo, que mexeram com a cabeça dos treinadores brasileiros. Esta novidade foi levada para a Seleção Brasileira por Sebastião Lazaroni em 1989, deu certo na Copa América, mas fracassou na Copa do Mundo de 1990.

O fracasso nas terras italianas naquela Copa serviu para mostrar que a implementação de um estilo mais europeu precisava de adaptações, mas a tendência de mudança tática havia chegado para ficar. Na Copa do Mundo de 1994, o técnico Carlos Alberto Parreira iria conseguir maior sucesso neste processo de integrar o estilo brasileiro e o europeu. Ainda assim, mesmo vencendo, sofreu severas contestações. O Brasil se perguntava se queria vencer ou se queria jogar um futebol vistoso. A resposta era vencer, jogando bonito e sem deixar de ser taticamente eficiente. O trabalho de Zagallo na continuação ao de Parreira conseguiu caminhar mais na direção de equilibrar estas forças. O ápice e o equilíbrio talvez tenham sido encontrados no trabalho de Luiz Felipe Scolari na Copa do Mundo de 2002. A escolha por mudar o estilo brasileiro de jogar futebol foi uma aposta arriscada. Conseguiu resultados, mas era mesmo necessária?

Por que implementar um padrão tático menos vulnerável defensivamente? O Brasil queria voltar a vencer um Mundial. Depois de ser 3º lugar na Copa de 38, entre 1950 e 1970, em 6 edições da Copa do Mundo, o Brasil foi 3 vezes campeão e 4 vezes finalista. Naquele momento da história, em 1989, o Brasil estava prestes a completar 20 anos não só sem ser campeão como sem ser finalista, num jejum que chegaria a 24 anos. A referência de sucesso era a Alemanha, que entre 1966 e 1990, em 7 edições da Copa do Mundo, foi 6 vezes semi-finalista, 5 vezes finalista e 2 vezes campeã do mundo, tendo sido a primeira seleção na história a jogar três finais consecutivas em 82, 86 e 90. O "futebol total" do padrão tático alemão era altamente eficiente em superar a técnica individual de times cheios de grandes jogadores. O Brasil absorveu a lição e veio a ser a segunda seleção na história a chegar a três finais consecutivas (1994, 1998 e 2002) e tendo vencido duas das três, enquanto os alemães venceram uma e perderam duas.

Por que diminuir a leveza do jogo brasileiro? Porque o futebol brasileiro não conseguia vencer o futebol mais ríspido de seus adversários na América do Sul. Era hora de perder a pureza, abdicar de querer se impor só jogando bonito, e vencer. Entre seleções, até 1989, quando o Brasil venceu seu quarto título continental, os uruguaios tinham treze títulos e os argentinos tinham doze. Na Taça Libertadores da América, até 1989, em 30 edições, haviam sido 15 títulos de clubes argentinos, 8 títulos de clubes uruguaios e só 5 de clubes brasileiros.

Funcionou! Nas nove edições seguintes da Copa América, o Brasil venceria quatro. Na Copa Libertadores, entre 1992 e 2013, em 22 edições, os clubes brasileiros venceram 12 vezes e os argentinos 7 vezes, sem nenhum título uruguaio.

O futebol brasileiro, sem dúvidas, mudou. Os times leves e soltos, ingênuos, em que a técnica fazia ter uma força ofensiva impressionante, mas a tática deixava a defesa vulnerável, ficaram no passado. A partir dali o Brasil teria um sistema defensivo firmemente postado, com zagueiros mais ríspidos do que técnicos, e que tentaria manter a força ofensiva quando não comprometesse ou expusesse a defesa.

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