O futebol brasileiro andava um
tanto desnorteado. No ciclo para a Copa de 86 haviam sido quatro treinadores a
frente da Seleção Brasileira. No ciclo para a Copa de 90 foram dois, um
primeiro tentou reformular e arejar as peças utilizadas, convocando muitos
jovens, mas o trabalho foi abortado no meio e um segundo nome foi escolhido no
meio do caminho. No ciclo para a Copa de 94, esta fórmula, aparentemente sem um
planejamento consciente, foi repetida.
Em 1992, mais uma vez o comando
técnico foi trocado. Desta vez tentou-se uma experiência nova, foram escolhidos
não um, mas dois nomes. Carlos Alberto Parreira era o novo técnico, e Mário
Jorge Lobo Zagallo, seu coordenador-técnico. A imprensa esportiva recebeu a
escolha com muito ceticismo. Eram dois nomes que estavam há muito tempo
afastados do Brasil, trabalhando no Oriente Médio. A crítica lembrava a má
experiência da seleção com Parreira em 1983, uma passagem curta e sem sucesso a
frente do time canarinho. Todos se perguntavam também se não haveria problema
de ego, se os dois treinadores se entenderiam na hora de tomar decisões e de um
ouvir a opinião do outro.
Parreira, depois de treinar a
Seleção Brasileira em 1983, conseguiu conquistar o título do Campeonato
Brasileiro de 1984 com o Fluminense; depois seguiu para o mundo árabe. Foi
treinador da seleção dos Emirados Árabes entre 1985 e 1988, depois treinou a
Arábia Saudita em 1989 e 1990, e voltou para os Emirados Árabes, a quem treinou
em 1991. Já Zagallo treinou o Kuwait, e havia sido o treinador dos Emirados Árabes entre 89 e 90,
quando Parreira esteve a frente da Arábia Saudita.
O trabalho dos dois se iniciou
com uma série de amistosos, já que a seleção não teve nenhum compromisso
oficial em 1992. Foram 11 amistosos. Nos dois primeiros, dois adversários de
pouca tradição no futebol e duas vitórias fáceis: 3 x 0 nos Estados Unidos em
Fortaleza e 3 x 1 na Finlândia em Cuiabá. Depois sofreu duas derrotas para o
Uruguai, uma em Montevidéu e outra em Campina Grande, e fez uma excursão
invicta à Europa, na qual a Seleção Brasileira empatou em 1 x 1 com a
Inglaterra em Londres, venceu por 1 x 0 ao Milan, da Itália, em Milão, e bateu
por 2 x 0 a França em Paris. Uma passagem pela América do Norte, onde goleou ao
México por 5 x 0 e venceu aos Estados Unidos por 1 x 0. Na volta ao país,
vitórias por 4 x 2 sobre a Costa Rica e por 3 x 1 sobre a Alemanha, jogando
esta última em Porto Alegre. Foram oito vitórias em onze jogos.
O time titular usado neste ano:
Carlos (Palmeiras), Luís Carlos Winck (Vasco), Antônio Carlos Zago (São Paulo),
Ronaldão (São Paulo) e Roberto Carlos (União São João-SP), Mauro Silva
(Bragantino), Luís Henrique (Palmeiras), Raí (São Paulo) e Paulo Sérgio
(Corinthians), Renato Gaúcho (Botafogo) e Bebeto (Vasco).
Dos muitos jogadores testados por
Falcão, apenas Mauro Silva e Luís Henrique apareciam entre os titulares de
Parreira. Para o gol a aposta voltou a ser Carlos, que estava fora da seleção
desde a Copa de 86. No total, Parreira utilizou 49 diferentes jogadores
naqueles onze amistosos, com o São Paulo - treinado por Telê Santana, e campeão
da Copa Libertadores naquele ano - tendo sido quem mais cedeu jogadores.
O último amistoso do ano, contra
a Alemanha em Porto Alegre, ainda rendeu um problema para Parreira e Zagallo.
Romário, atacante do PSV Eindhoven, foi convocado. Viajou da Holanda para Porto
Alegre e ficou inconformado de não ter sido titular. Ele não tinha sido
convocado desde a Copa de 90, voltou a ser lembrado, mas não gostou e reclamou
de ter viajado tanto para não jogar. Insatisfeito com a atitude dele, Parreira
o afastou das convocações seguintes, apesar das extraordinárias atuações dele,
que vinham assombrando a Europa e o levaram a ser contratado pelo Barcelona.
No ano de 1993 haveria Copa
América e Eliminatórias. Para a competição continental, a Seleção Brasileira
teve problemas para contar com seus atletas que atuavam na Europa. O
selecionado de Parreira acabou tendo uma estrutura base formada pelos dois
times que viviam melhor fase no futebol brasileiro naquele momento, São
Paulo e Palmeiras; o primeiro, treinado por Telê Santana era bi-campeão da
Libertadores e do Mundial de Clubes, e o segundo, treinado por Vanderlei
Luxemburgo, era bi-campeão do Paulista e do Brasileiro.
Os titulares de Carlos Alberto
Parreira na Copa América: Zetti (São Paulo), Cafu (São Paulo), Antônio Carlos
Zago (Palmeiras), Válber (São Paulo) e Roberto Carlos (Palmeiras), César
Sampaio (Palmeiras), Marco Antônio Boiadeiro (Cruzeiro), Palhinha (São Paulo) e
Zinho (Palmeiras), Edmundo (Palmeiras) e Muller (São Paulo).
O torneio foi disputado no
Equador, e a campanha brasileira deixou muito a desejar, aumentando as críticas
sobre o trabalho de Parreira. Na estréia, a seleção não saiu de um empate sem
gols com o Peru. A situação ficou crítica após a derrota por 3 x 2 para o Chile
na segunda rodada. Só uma vitória sobre o Paraguai, que havia vencido os
chilenos na estréia, salvava o Brasil na rodada derradeira. E ela veio, e
acachapante, com um 3 x 0, dois gols de Palhinha e um de Edmundo.
Ao avançar em segundo lugar, o
Brasil acabou antecipando o confronto contra a Argentina logo para as quartas
de final. Jogando em Guayaquil, a Seleção Brasileira teve uma boa atuação,
abriu o marcador com Muller no primeiro tempo, mas tomou o gol de empate de Léo
Rodríguez aos 24 do segundo. A decisão foi para pênaltis. Todos os jogadores
acertaram as dez primeiras cobranças, foi-se às alternadas: Jorge Borrelli fez
para a Argentina, e Boiadeiro perdeu a brasileira, que parou nas mãos de
Goycoechea. Com o 6 x 5, os argentinos avançaram à semi-final, quando novamente
nos pênaltis passaram pela Colômbia. Na final, fizeram 2 x 1 sobre o México,
que pela primeira vez na história participava do torneio. A Argentina foi
bi-campeã.
Vinte dias depois o Brasil fazia
sua estréia nas Eliminatórias, desta vez contando com os jogadores que atuavam
no futebol europeu. Antes da estréia, um amistoso contra o Paraguai, em São
Januário, no Rio de Janeiro, foi vencido por 2 x 0. E o time viajou para primeiro
enfrentar o Equador em Guayaquil, o jogo terminou num empate sem gols. No
segundo jogo, ida a La Paz, na altitude de 4 mil metros, para enfrentar a
Bolívia. Taffarel defendeu um pênalti, mas não impediu que Marco Etcheverry
fizesse o gol aos 44 minutos do segundo tempo. Na seqüência, aos 46, Juan
Manuel Peña ainda ampliaria. Bolívia 2 x 0 Brasil. Pela primeira vez na
história o Brasil perdia um jogo nas Eliminatórias.
Entre 1954 e 1993, até aquele
jogo em La Paz, foram 31 jogos da Seleção Brasileira pelas Eliminatórias: 24
vitórias e 7 empates. Como até ali a competição era sempre entre três grupos,
com o primeiro de cada grupo se classificando, brasileiros, argentinos e
uruguaios sempre eram cabeças de chave, logo nunca na história tinha havido confrontos contra Argentina
e Uruguai pelas Eliminatórias, ajudando o Brasil a manter tão longa invencibilidade. O adversário
mais freqüente foi o Paraguai, em 8 jogos, 6 vitórias brasileiras e 2 empates.
Contra a Venezuela, 6 vitórias, sem jamais ter perdido pontos. Contra a Bolívia,
foram 5 duelos, com 4 vitórias e 1 empate. Contra Chile e Colômbia, 4 jogos
contra cada um, com 3 vitórias sobre cada e 1 empate com cada. Contra o Peru,
foram 3 jogos, 2 vitórias e 1 empate. O 31º jogo da série foi o empate com o
Equador na partida inicial das Eliminatórias daquele ano. Uma invencibilidade
incrível. Mas nada é para sempre...
O time que jogou as Eliminatórias
era bastante diferente do que jogou a Copa América. Os titulares de Carlos
Alberto Parreira foram: Taffarel (Parma, Itália), Jorginho (Bayern Munique,
Alemanha), Ricardo Rocha (Real Madrid, Espanha), Márcio Santos (Bordeaux,
França) e Branco (Genoa, Itália), Mauro Silva (Deportivo La Coruña, Espanha),
Dunga (Pescara, Itália), Raí (São Paulo) e Zinho (Palmeiras), Bebeto (Deportivo
La Coruña, Espanha) e Muller (São Paulo). Também vinham sendo bastante
utilizados o meia Palhinha e o ponta-esquerda Elivélton, ambos do São Paulo, e
o centroavante Evair, do Palmeiras. Em grande medida, a equipe já tinha a base
que no ano seguinte disputaria a Copa do Mundo.
No terceiro jogo, o Brasil foi à
Venezuela e voltou com uma vitória por goleada: 5 x 1. Depois duelo contra o
Uruguai em Montevidéu, no primeiro confronto na história entre as duas seleções valendo por
uma Eliminatória para a Copa: empate em 1 x 1. A situação do Brasil não era
confortável ao final do turno. Aumentava a pressão sobre o time de Parreira,
afinal o Brasil ainda era a única entre todas as seleções de futebol do planeta
que nunca havia deixado de participar de uma Copa do Mundo.
Os quatro jogos do returno seriam
todos no Brasil. Depois de cinco rodadas (cada país do grupo folgou em uma), a
líder do grupo era a Bolívia com 8 pontos (obteve dez pontos nos cinco
primeiros jogos, quatro dos quais na altitude de La Paz, venceu a Brasil e
Uruguai e conseguiu goleadas sobre Venezuela (7 x 1 e 7 x 0) e Equador (5 x
0)). Uruguai, Brasil e Equador estavam empatados com 4 pontos, e a Venezuela
estava zerada. Só os dois primeiros se classificavam.
No returno, o Brasil iniciou sua
caminhada com uma vitória por 2 x 0 sobre o Equador no Morumbi, gols de Bebeto
e Dunga. Depois enfrentava a Bolívia no Estádio do Arruda, em Recife, um local
simbólico, pois foi onde havia começado a arrancada para a conquista da Copa
América de 1989.
O time brasileiro entrou em campo
com os jogadores de mãos-dadas, mostrando união perante a tremenda pressão da
imprensa esportiva e da opinião pública sobre a Seleção Brasileira. Toda a
atmosfera junta funcionou, o primeiro tempo terminou 5 x 0 em favor do Brasil, gols
de Raí, Muller, Bebeto, Branco e Ricardo Gomes. No segundo tempo, Bebeto
ampliou logo aos treze, e ficou nisto: Brasil 6 x 0 Bolívia.
O jogo seguinte foi contra a
Venezuela, no Mineirão, em Belo Horizonte. Sem surpresas o Brasil venceu por 4
x 0. O último duelo era contra o Uruguai, de Enzo Francescoli e Ruben Sosa, no
Maracanã. Mais uma vez a sombra do Maracanazo de 1950 emergia. Na última
rodada, Brasil, Uruguai e Bolívia estavam empatados com 10 pontos. Um empate
classificava o Brasil, mas uma derrota deixava a Seleção Brasileira fora de uma
Copa do Mundo pela primeira vez na história.
Diante do risco e da enorme pressão
popular que pedia por Romário, Parreira decidiu convocá-lo e escalá-lo titular. O Maracanã estava lotado, com 102 mil presentes. Foi com um comando de ataque endiabrado naquela tarde, com Bebeto e Romário, que
a seleção partiu para cima dos uruguaios, sufocando-os, criando oportunidades
seguidas uma atrás da outra. No primeiro tempo, Romário encobriu o goleiro e
achou o travessão. O sufocante 0 a 0 se estendia no placar. Até os 27 minutos do
segundo tempo, quando Bebeto foi lançado pela ponta direita e cruzou na cabeça
de Romário. Rede! Brasil na frente. Dez minutos depois, Mauro Silva lançou Romário
que entrou livre, driblou o goleiro e, magistralmente, colocou a bola nas redes
de novo. Brasil 2 x 0 Uruguai. Fantasma exorcizado. Uruguai eliminado, Brasil e
Bolívia classificados.
No outro grupo, uma grande
surpresa, na última rodada a Colômbia atropelou a Argentina por 5 x 0 dentro de
Buenos Aires, dois gols de Freddy Rincón, dois de Faustino Asprilla e um de
Adolfo Valencia. Os colombianos se classificaram em primeiro lugar e empurraram
os argentinos para disputar a repescagem contra a Austrália.
A Seleção Brasileira prosseguia
sua caminhada em busca da esperança perdida. Já eram 24 anos sem conseguir
conquistar a Copa do Mundo. O trabalho de Carlos Alberto Parreira continuava
altamente questionado. A esperança de título do povo brasileiro era baixa. O
Brasil seguia sua luta em busca de se reencontrar com seu melhor futebol, e
seguia lutando por modernizar-se taticamente. Os questionamentos eram maiores
do que as convicções.
O ano de 1993 renovaria ainda a
esperança de futuros craques. O Brasil conquistou pela terceira vez na história
o Mundial Sub 20, vencendo Gana na final. Os titulares daquele time campeão,
treinado por Júlio César Leal: Dida (Vitória), Bruno Carvalho (Vasco), Gélson
Baresi (Flamengo), Juarez (Juventus-SP) e Hermes (Corinthians), Marcelinho
Paulista (Corinthians), Emerson Pereira (São Paulo), Adriano Gerlin (Guarani) e
Yan (Vasco), Catê (São Paulo) e Gian (Vasco).
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