segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Em busca da esperança perdida

O futebol brasileiro andava um tanto desnorteado. No ciclo para a Copa de 86 haviam sido quatro treinadores a frente da Seleção Brasileira. No ciclo para a Copa de 90 foram dois, um primeiro tentou reformular e arejar as peças utilizadas, convocando muitos jovens, mas o trabalho foi abortado no meio e um segundo nome foi escolhido no meio do caminho. No ciclo para a Copa de 94, esta fórmula, aparentemente sem um planejamento consciente, foi repetida.

Em 1992, mais uma vez o comando técnico foi trocado. Desta vez tentou-se uma experiência nova, foram escolhidos não um, mas dois nomes. Carlos Alberto Parreira era o novo técnico, e Mário Jorge Lobo Zagallo, seu coordenador-técnico. A imprensa esportiva recebeu a escolha com muito ceticismo. Eram dois nomes que estavam há muito tempo afastados do Brasil, trabalhando no Oriente Médio. A crítica lembrava a má experiência da seleção com Parreira em 1983, uma passagem curta e sem sucesso a frente do time canarinho. Todos se perguntavam também se não haveria problema de ego, se os dois treinadores se entenderiam na hora de tomar decisões e de um ouvir a opinião do outro.

Parreira, depois de treinar a Seleção Brasileira em 1983, conseguiu conquistar o título do Campeonato Brasileiro de 1984 com o Fluminense; depois seguiu para o mundo árabe. Foi treinador da seleção dos Emirados Árabes entre 1985 e 1988, depois treinou a Arábia Saudita em 1989 e 1990, e voltou para os Emirados Árabes, a quem treinou em 1991. Já Zagallo treinou o Kuwait, e havia sido o treinador dos Emirados Árabes entre 89 e 90, quando Parreira esteve a frente da Arábia Saudita.

O trabalho dos dois se iniciou com uma série de amistosos, já que a seleção não teve nenhum compromisso oficial em 1992. Foram 11 amistosos. Nos dois primeiros, dois adversários de pouca tradição no futebol e duas vitórias fáceis: 3 x 0 nos Estados Unidos em Fortaleza e 3 x 1 na Finlândia em Cuiabá. Depois sofreu duas derrotas para o Uruguai, uma em Montevidéu e outra em Campina Grande, e fez uma excursão invicta à Europa, na qual a Seleção Brasileira empatou em 1 x 1 com a Inglaterra em Londres, venceu por 1 x 0 ao Milan, da Itália, em Milão, e bateu por 2 x 0 a França em Paris. Uma passagem pela América do Norte, onde goleou ao México por 5 x 0 e venceu aos Estados Unidos por 1 x 0. Na volta ao país, vitórias por 4 x 2 sobre a Costa Rica e por 3 x 1 sobre a Alemanha, jogando esta última em Porto Alegre. Foram oito vitórias em onze jogos.

O time titular usado neste ano: Carlos (Palmeiras), Luís Carlos Winck (Vasco), Antônio Carlos Zago (São Paulo), Ronaldão (São Paulo) e Roberto Carlos (União São João-SP), Mauro Silva (Bragantino), Luís Henrique (Palmeiras), Raí (São Paulo) e Paulo Sérgio (Corinthians), Renato Gaúcho (Botafogo) e Bebeto (Vasco).

Dos muitos jogadores testados por Falcão, apenas Mauro Silva e Luís Henrique apareciam entre os titulares de Parreira. Para o gol a aposta voltou a ser Carlos, que estava fora da seleção desde a Copa de 86. No total, Parreira utilizou 49 diferentes jogadores naqueles onze amistosos, com o São Paulo - treinado por Telê Santana, e campeão da Copa Libertadores naquele ano - tendo sido quem mais cedeu jogadores.

O último amistoso do ano, contra a Alemanha em Porto Alegre, ainda rendeu um problema para Parreira e Zagallo. Romário, atacante do PSV Eindhoven, foi convocado. Viajou da Holanda para Porto Alegre e ficou inconformado de não ter sido titular. Ele não tinha sido convocado desde a Copa de 90, voltou a ser lembrado, mas não gostou e reclamou de ter viajado tanto para não jogar. Insatisfeito com a atitude dele, Parreira o afastou das convocações seguintes, apesar das extraordinárias atuações dele, que vinham assombrando a Europa e o levaram a ser contratado pelo Barcelona.

No ano de 1993 haveria Copa América e Eliminatórias. Para a competição continental, a Seleção Brasileira teve problemas para contar com seus atletas que atuavam na Europa. O selecionado de Parreira acabou tendo uma estrutura base formada pelos dois times que viviam melhor fase no futebol brasileiro naquele momento, São Paulo e Palmeiras; o primeiro, treinado por Telê Santana era bi-campeão da Libertadores e do Mundial de Clubes, e o segundo, treinado por Vanderlei Luxemburgo, era bi-campeão do Paulista e do Brasileiro.

Os titulares de Carlos Alberto Parreira na Copa América: Zetti (São Paulo), Cafu (São Paulo), Antônio Carlos Zago (Palmeiras), Válber (São Paulo) e Roberto Carlos (Palmeiras), César Sampaio (Palmeiras), Marco Antônio Boiadeiro (Cruzeiro), Palhinha (São Paulo) e Zinho (Palmeiras), Edmundo (Palmeiras) e Muller (São Paulo).

O torneio foi disputado no Equador, e a campanha brasileira deixou muito a desejar, aumentando as críticas sobre o trabalho de Parreira. Na estréia, a seleção não saiu de um empate sem gols com o Peru. A situação ficou crítica após a derrota por 3 x 2 para o Chile na segunda rodada. Só uma vitória sobre o Paraguai, que havia vencido os chilenos na estréia, salvava o Brasil na rodada derradeira. E ela veio, e acachapante, com um 3 x 0, dois gols de Palhinha e um de Edmundo.

Zinho e Palhinha contra a Argentina na Copa América

Ao avançar em segundo lugar, o Brasil acabou antecipando o confronto contra a Argentina logo para as quartas de final. Jogando em Guayaquil, a Seleção Brasileira teve uma boa atuação, abriu o marcador com Muller no primeiro tempo, mas tomou o gol de empate de Léo Rodríguez aos 24 do segundo. A decisão foi para pênaltis. Todos os jogadores acertaram as dez primeiras cobranças, foi-se às alternadas: Jorge Borrelli fez para a Argentina, e Boiadeiro perdeu a brasileira, que parou nas mãos de Goycoechea. Com o 6 x 5, os argentinos avançaram à semi-final, quando novamente nos pênaltis passaram pela Colômbia. Na final, fizeram 2 x 1 sobre o México, que pela primeira vez na história participava do torneio. A Argentina foi bi-campeã.

Vinte dias depois o Brasil fazia sua estréia nas Eliminatórias, desta vez contando com os jogadores que atuavam no futebol europeu. Antes da estréia, um amistoso contra o Paraguai, em São Januário, no Rio de Janeiro, foi vencido por 2 x 0. E o time viajou para primeiro enfrentar o Equador em Guayaquil, o jogo terminou num empate sem gols. No segundo jogo, ida a La Paz, na altitude de 4 mil metros, para enfrentar a Bolívia. Taffarel defendeu um pênalti, mas não impediu que Marco Etcheverry fizesse o gol aos 44 minutos do segundo tempo. Na seqüência, aos 46, Juan Manuel Peña ainda ampliaria. Bolívia 2 x 0 Brasil. Pela primeira vez na história o Brasil perdia um jogo nas Eliminatórias.

Entre 1954 e 1993, até aquele jogo em La Paz, foram 31 jogos da Seleção Brasileira pelas Eliminatórias: 24 vitórias e 7 empates. Como até ali a competição era sempre entre três grupos, com o primeiro de cada grupo se classificando, brasileiros, argentinos e uruguaios sempre eram cabeças de chave, logo nunca na história tinha havido confrontos contra Argentina e Uruguai pelas Eliminatórias, ajudando o Brasil a manter tão longa invencibilidade. O adversário mais freqüente foi o Paraguai, em 8 jogos, 6 vitórias brasileiras e 2 empates. Contra a Venezuela, 6 vitórias, sem jamais ter perdido pontos. Contra a Bolívia, foram 5 duelos, com 4 vitórias e 1 empate. Contra Chile e Colômbia, 4 jogos contra cada um, com 3 vitórias sobre cada e 1 empate com cada. Contra o Peru, foram 3 jogos, 2 vitórias e 1 empate. O 31º jogo da série foi o empate com o Equador na partida inicial das Eliminatórias daquele ano. Uma invencibilidade incrível. Mas nada é para sempre...  

O time que jogou as Eliminatórias era bastante diferente do que jogou a Copa América. Os titulares de Carlos Alberto Parreira foram: Taffarel (Parma, Itália), Jorginho (Bayern Munique, Alemanha), Ricardo Rocha (Real Madrid, Espanha), Márcio Santos (Bordeaux, França) e Branco (Genoa, Itália), Mauro Silva (Deportivo La Coruña, Espanha), Dunga (Pescara, Itália), Raí (São Paulo) e Zinho (Palmeiras), Bebeto (Deportivo La Coruña, Espanha) e Muller (São Paulo). Também vinham sendo bastante utilizados o meia Palhinha e o ponta-esquerda Elivélton, ambos do São Paulo, e o centroavante Evair, do Palmeiras. Em grande medida, a equipe já tinha a base que no ano seguinte disputaria a Copa do Mundo.

No terceiro jogo, o Brasil foi à Venezuela e voltou com uma vitória por goleada: 5 x 1. Depois duelo contra o Uruguai em Montevidéu, no primeiro confronto na história entre as duas seleções valendo por uma Eliminatória para a Copa: empate em 1 x 1. A situação do Brasil não era confortável ao final do turno. Aumentava a pressão sobre o time de Parreira, afinal o Brasil ainda era a única entre todas as seleções de futebol do planeta que nunca havia deixado de participar de uma Copa do Mundo.

Os quatro jogos do returno seriam todos no Brasil. Depois de cinco rodadas (cada país do grupo folgou em uma), a líder do grupo era a Bolívia com 8 pontos (obteve dez pontos nos cinco primeiros jogos, quatro dos quais na altitude de La Paz, venceu a Brasil e Uruguai e conseguiu goleadas sobre Venezuela (7 x 1 e 7 x 0) e Equador (5 x 0)). Uruguai, Brasil e Equador estavam empatados com 4 pontos, e a Venezuela estava zerada. Só os dois primeiros se classificavam.

Goleada na Bolívia, o Brasil reencontra seu rumo

No returno, o Brasil iniciou sua caminhada com uma vitória por 2 x 0 sobre o Equador no Morumbi, gols de Bebeto e Dunga. Depois enfrentava a Bolívia no Estádio do Arruda, em Recife, um local simbólico, pois foi onde havia começado a arrancada para a conquista da Copa América de 1989.

O time brasileiro entrou em campo com os jogadores de mãos-dadas, mostrando união perante a tremenda pressão da imprensa esportiva e da opinião pública sobre a Seleção Brasileira. Toda a atmosfera junta funcionou, o primeiro tempo terminou 5 x 0 em favor do Brasil, gols de Raí, Muller, Bebeto, Branco e Ricardo Gomes. No segundo tempo, Bebeto ampliou logo aos treze, e ficou nisto: Brasil 6 x 0 Bolívia.

O jogo seguinte foi contra a Venezuela, no Mineirão, em Belo Horizonte. Sem surpresas o Brasil venceu por 4 x 0. O último duelo era contra o Uruguai, de Enzo Francescoli e Ruben Sosa, no Maracanã. Mais uma vez a sombra do Maracanazo de 1950 emergia. Na última rodada, Brasil, Uruguai e Bolívia estavam empatados com 10 pontos. Um empate classificava o Brasil, mas uma derrota deixava a Seleção Brasileira fora de uma Copa do Mundo pela primeira vez na história.


Diante do risco e da enorme pressão popular que pedia por Romário, Parreira decidiu convocá-lo e escalá-lo titular. O Maracanã estava lotado, com 102 mil presentes. Foi com um comando de ataque endiabrado naquela tarde, com Bebeto e Romário, que a seleção partiu para cima dos uruguaios, sufocando-os, criando oportunidades seguidas uma atrás da outra. No primeiro tempo, Romário encobriu o goleiro e achou o travessão. O sufocante 0 a 0 se estendia no placar. Até os 27 minutos do segundo tempo, quando Bebeto foi lançado pela ponta direita e cruzou na cabeça de Romário. Rede! Brasil na frente. Dez minutos depois, Mauro Silva lançou Romário que entrou livre, driblou o goleiro e, magistralmente, colocou a bola nas redes de novo. Brasil 2 x 0 Uruguai. Fantasma exorcizado. Uruguai eliminado, Brasil e Bolívia classificados.

Um endiabrado Romário derruba o Uruguai, Brasil 2 x 0

No outro grupo, uma grande surpresa, na última rodada a Colômbia atropelou a Argentina por 5 x 0 dentro de Buenos Aires, dois gols de Freddy Rincón, dois de Faustino Asprilla e um de Adolfo Valencia. Os colombianos se classificaram em primeiro lugar e empurraram os argentinos para disputar a repescagem contra a Austrália.

A Seleção Brasileira prosseguia sua caminhada em busca da esperança perdida. Já eram 24 anos sem conseguir conquistar a Copa do Mundo. O trabalho de Carlos Alberto Parreira continuava altamente questionado. A esperança de título do povo brasileiro era baixa. O Brasil seguia sua luta em busca de se reencontrar com seu melhor futebol, e seguia lutando por modernizar-se taticamente. Os questionamentos eram maiores do que as convicções.

O ano de 1993 renovaria ainda a esperança de futuros craques. O Brasil conquistou pela terceira vez na história o Mundial Sub 20, vencendo Gana na final. Os titulares daquele time campeão, treinado por Júlio César Leal: Dida (Vitória), Bruno Carvalho (Vasco), Gélson Baresi (Flamengo), Juarez (Juventus-SP) e Hermes (Corinthians), Marcelinho Paulista (Corinthians), Emerson Pereira (São Paulo), Adriano Gerlin (Guarani) e Yan (Vasco), Catê (São Paulo) e Gian (Vasco).


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