terça-feira, 29 de julho de 2014

O Brasil redemocratizado

O Brasil se esvairia numa crise econômica grave e crescente. Com ou sem crise, no entanto, há muito se havia desgastado a relação entre a sociedade civil e o governo militar. E ao mesmo tempo, na conjuntura internacional, a ameaça comunista mostrava sinais de enfraquecimento, com a União Soviética também em crise e seu governo, sob a liderança de Mikhail Gorbachev, iniciando o processo de flexibilização do regime.

O Brasil era corroído por uma inflação galopante, que se aproximava dos 300% ao ano. Em 1983 se iniciou o movimento político “Diretas Já!”, que em escalada crescente, naquele ano e no seguinte, levou uma multidão às ruas pedindo por eleições diretas para a Presidência da República.

O Congresso Nacional não aprovou as eleições diretas, mas, atendendo a parte do apelo popular, decidiu realizar eleições indiretas. Em janeiro de 1985, um dos líderes das Diretas Já!, o político de Minas Gerais, Tancredo Neves, que fora Primeiro-Ministro entre 1961 e 62, na única experiência parlamentarista do Brasil, foi eleito presidente. Tancredo, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) recebeu 72,7% dos votos (tão só 780 votos) contra 27,3% recebidos por Paulo Maluf, político de São Paulo, candidato do Partido Democrático Social (PDS).

Tancredo Neves não tomou posse. Em março adoeceu com diverticulite. Foram trinta e nove dias internado. Em 21 de abril de 1985, Dia de Tiradentes, líder da Inconfidência Mineira, ele faleceu. Tomou posse então o vice-presidente José Sarney, político do Maranhão, que governou o país entre 85 e 89. Sua gestão seria marcada pelos planos econômicos que buscavam desesperadamente conter a hiperinflação.

As primeiras eleições diretas - a verdadeira redemocratização - aconteceram no último trimestre de 1989. Os movimentos de oposição, todos concentrados pela Ditadura Militar num único partido, o MDB, foram fragmentados em diversas correntes ideológicas. A eleição daquele ano teve a impressionante participação de 22 candidatos, quinze dos quais não conseguiram obter mais do 1,2% dos votos totais. Entre estes quinze, alguns políticos que vieram a obter destaque na política nacional, como Roberto Freire, do Partido Comunista Brasileiro (PCB), e Fernando Gabeira, do Partido Verde (PV).

A primeira eleição direta já foi em dois turnos, com os dois candidatos mais bem votados em primeiro turno concorrendo numa nova votação, sem a presença dos demais. No 1º turno, o candidato mais votado foi o jovem Fernando Collor de Mello, político de Alagoas, que fundou uma legenda própria, o Partido da Reconstrução Nacional (PRN), e, praticamente sem nenhum apoio político expressivo, ganhou a simpatia popular com um discurso enérgico de caça a corruptos. Ele obteve 30,6% (20,6 milhões) dos votos. A disputa para definir seu adversário no 2º turno foi acirrada entre dois líderes da esquerda brasileira: Luiz Ignácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT) recebeu 17,2% dos votos, e Leonel Brizola, do Partido Democrático Trabalhista (PDT) recebeu 16,5%. Também receberam votação expressiva: Mário Covas, do Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB), com 11,5%, Paulo Maluf, do PDS, com 8,5%, Guilherme Afif Domingos, do Partido Liberal (PL), e Ulysses Guimarães, do PMDB, com 4,8% cada um. No 2º turno, Lula ameaçou virar o jogo, mas Collor confirmou sua vitória, com 53% contra 47% dos votos.

No campo externo, o maior esforço passou a ser a cooperação econômica com os vizinhos da América do Sul. Um gigante no subcontinente, com uma crescente produção agrícola, o Brasil transbordava de suas fronteiras. O primeiro esforço datou de 1960, com a criação da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC). Não funcionou. Tentou-se aprimorá-la com a Associação Latino-Americana de Desenvolvimento (ALADI) em 1980. O paradigma de integração, no entanto, só foi superado com a criação em 1991 do Mercado Comum do Cone Sul (MERCOSUL) uma associação comercial entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Os primeiros entendimentos se iniciaram em 1988 com a aproximação entre os presidentes Sarney e Alfonsín, de Brasil e Argentina. Sempre houve uma preocupação de um eventual conflito armado entre as duas maiores economias da América do Sul; algo similar ao ocorrido entre Argentina e Chile em 1980, uma guerra só evitada à última hora por interferência do papa João Paulo II. O entendimento e a cooperação mútua com o Mercado Comum afastaram este risco.

Um país redemocratizado (ou pode-se dizer também: pela primeira vez na história, verdadeiramente democratizado) ainda imerso num caos econômico, redefinindo suas relações políticas internacionais e com anseios de auto-afirmação.

Neste contexto, o esporte representava um processo ainda em formação de sentimento nacionalista. A Seleção Brasileira era um destes alicerces de sinergia nacional. O automobilismo passou a ser outro. Emerson Fittipaldi havia sido bi-campeão mundial de Fórmula 1 em 1972 e 1974. Nos anos 1980, uma dupla brilhou nas pistas de corrida, Nélson Piquet foi tri-campeão, em 1981 e 1983 pilotando uma Brabham, e em 1987 dirigindo uma Willians; Ayrton Senna também foi tri-campeão em 1988, 1990 e 1991, nos três anos guiando uma McLaren. Em onze grandes prêmios na história uma corrida terminou com dois brasileiros nas duas primeiras posições, em oito destes onze a “dobradinha” foi entre Piquet e Senna.

Ayrton Senna, em especial, virou um ídolo, um símbolo nacional. Em meio à frieza milionária do automobilismo, Ayrton a cada vitória parava o carro e esperava receber uma bandeira do Brasil, com a qual completava a volta de comemoração. Colocava emoção e vida naquele mundo emocionalmente gélido. Ganhou o coração do povo.

Nas pistas de corrida dos Estados Unidos, o veterano Emerson Fittipaldi sagrava-se campeão da Fórmula Indy em 1989. Ele abriu as pistas norte-americanas para a entrada de pilotos brasileiros, como Gil de Ferran, bi-campeão em 2000 e 2001, Cristiano da Matta, campeão em 2002 e Tony Kanaan, campeão em 2004. Na principal corrida da categoria, as 500 Milhas de Indianápolis, o Brasil é o país que mais vezes venceu a corrida depois dos EUA. Sete triunfos brasileiros nas 500 Milhas até 2013: Emerson Fittipaldi venceu em 1989 e 1993; Hélio Castroneves em 2001, 2002 e 2009; Gil de Ferran em 2003; e Tony Kannan em 2013.

Outra paixão esportiva emergiu nos anos 1980, o voleibol. Ele chegou ao Brasil despretensiosamente no início dos anos 1960, era jogado nas praias do Rio de Janeiro e chamado pelos jornais de volibol. A migração para as quadras só aconteceu durante os anos 1970. Mas foi nos anos 1980 que o vôlei do Brasil começou a brilhar. Primeiro com a geração que ganhou a Medalha de Prata no masculino nas Olimpíadas de Los Angeles em 1984, depois com a geração Medalha de Ouro nas Olimpíadas de Barcelona em 1992. Rapidamente, o esporte passou à segunda colocação entre as preferências nacionais, só o futebol, imbatível no país, era mais popular. Nascia uma era de grandes conquistas!

No masculino, o vôlei do Brasil ganhou a Medalha de Ouro nos Jogos Olímpicos de 1992 e de 2004, Medalha de Prata em 1984, 2008 e 2012, foi campeão da Copa do Mundo em 2003 e 2007, e campeão do Campeonato Mundial em 2002, 2006 e 2010. Na Liga Mundial, competição anual, foi campeão em 1993, em 2001, cinco vezes seguida entre 2003 e 2007, e voltou a vencer em 2009 e 2010 (em 24 edições, venceu 9 contra 8 da Itália, os dois maiores campeões).

No feminino, o vôlei do Brasil foi Bi-campeão Olímpico em 2008 e 2012, Medalha de Bronze em 1996 e 2000, e no Grand Prix, competição anual, foi campeão em 1994, 1996, 1998, 2004, 2005, 2006, 2008, 2009 e 2013; 9 títulos em 21 edições, o maior vencedor da história do torneio, seguido pelos Estados Unidos com 5 títulos.

O Brasil era um país com um potente motor forçando-o a um papel de protagonista no cenário mundial, mas puxando a âncora de seu passado colonial e as heranças de uma sociedade em que o nível de escolaridade da maioria ainda estava longe do ideal, as relações de poder envoltas em muita corrupção e em relações nas quais o mérito era na maioria das vezes sobreposto por relações clientelistas.

O Brasil vivia sua primeira experiência realmente democrática. Um processo como o de um adolescente que sai de baixo das asas dos pais, quando começa a refletir sobre si e vai tomando consciência de suas capacidades e de suas limitações. Um processo de aprendizado, onde o crescimento não é contínuo, sob reflexões muitas vezes ainda confusas, oscilando entre clareza e cegueira nos passos que necessitam ser dados, onde convicção e negação pareciam se misturar de forma indissolúvel.

Em 1985, o país foi às ruas se despedir e chorar a morte do primeiro presidente civil em duas décadas. Em 1991, muito pouco tempo depois, saiu às ruas para pedir a cassação do primeiro presidente diretamente eleito pelo povo. Fernando Collor de Melo foi denunciado pelo irmão, Pedro Collor: seu tesoureiro, Paulo César Farias, operava um sistema de cobrança de propina para empreiteiras e de superfaturamento de obras públicas. Acabou cassado, com o Congresso Nacional aprovando seu Impeachment diante das evidências. As pessoas mal sabiam quem era o vice-presidente, Itamar Franco, político discreto de Minas Gerais. A ele coube o ordenamento econômico e a repacificação política. Completou o mandato de Collor, tendo sido o Presidente da República até o fim de 1993.

Em paralelo a toda esta turbulência, o país convivia com a escalada da violência. Era a conseqüência natural de uma dinâmica conhecida para sociólogos e economistas: menos emprego, mais roubos e assaltos e formação de um ciclo vicioso: mais violência gera mais retração econômica e ao se perderem mais vagas de emprego, aumenta mais a violência, levando trabalhadores à margem da empregabilidade e à luta por sua subsistência, forjando oportunidades na informalidade. Parecia não haver saída a este quadro caótico.


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