O Brasil se esvairia numa crise
econômica grave e crescente. Com ou sem crise, no entanto, há muito se havia
desgastado a relação entre a sociedade civil e o governo militar. E ao mesmo
tempo, na conjuntura internacional, a ameaça comunista mostrava sinais de
enfraquecimento, com a União Soviética também em crise e seu governo, sob a liderança
de Mikhail Gorbachev, iniciando o processo de flexibilização do regime.
O Brasil era corroído por uma
inflação galopante, que se aproximava dos 300% ao ano. Em 1983 se iniciou o
movimento político “Diretas Já!”, que em escalada crescente, naquele ano e no
seguinte, levou uma multidão às ruas pedindo por eleições diretas para a
Presidência da República.
O Congresso Nacional não aprovou
as eleições diretas, mas, atendendo a parte do apelo popular, decidiu realizar
eleições indiretas. Em janeiro de 1985, um dos líderes das Diretas Já!, o político
de Minas Gerais, Tancredo Neves, que fora Primeiro-Ministro entre 1961 e 62, na
única experiência parlamentarista do Brasil, foi eleito presidente. Tancredo,
do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) recebeu 72,7% dos votos
(tão só 780 votos) contra 27,3% recebidos por Paulo Maluf, político de São
Paulo, candidato do Partido Democrático Social (PDS).
Tancredo Neves não tomou posse.
Em março adoeceu com diverticulite. Foram trinta e nove dias internado. Em 21
de abril de 1985, Dia de Tiradentes, líder da Inconfidência Mineira, ele
faleceu. Tomou posse então o vice-presidente José Sarney, político do Maranhão,
que governou o país entre 85 e 89. Sua gestão seria marcada pelos planos
econômicos que buscavam desesperadamente conter a hiperinflação.
As primeiras eleições diretas - a
verdadeira redemocratização - aconteceram no último trimestre de 1989. Os
movimentos de oposição, todos concentrados pela Ditadura Militar num único
partido, o MDB, foram fragmentados em diversas correntes ideológicas. A eleição
daquele ano teve a impressionante participação de 22 candidatos, quinze dos
quais não conseguiram obter mais do 1,2% dos votos totais. Entre estes quinze,
alguns políticos que vieram a obter destaque na política nacional, como Roberto
Freire, do Partido Comunista Brasileiro (PCB), e Fernando Gabeira, do Partido
Verde (PV).
A primeira eleição direta já foi
em dois turnos, com os dois candidatos mais bem votados em primeiro turno
concorrendo numa nova votação, sem a presença dos demais. No 1º turno, o
candidato mais votado foi o jovem Fernando Collor de Mello, político de
Alagoas, que fundou uma legenda própria, o Partido da Reconstrução Nacional
(PRN), e, praticamente sem nenhum apoio político expressivo, ganhou a simpatia
popular com um discurso enérgico de caça a corruptos. Ele obteve 30,6% (20,6
milhões) dos votos. A disputa para definir seu adversário no 2º turno foi
acirrada entre dois líderes da esquerda brasileira: Luiz Ignácio Lula da Silva,
do Partido dos Trabalhadores (PT) recebeu 17,2% dos votos, e Leonel Brizola, do
Partido Democrático Trabalhista (PDT) recebeu 16,5%. Também receberam votação
expressiva: Mário Covas, do Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB), com
11,5%, Paulo Maluf, do PDS, com 8,5%, Guilherme Afif Domingos, do Partido
Liberal (PL), e Ulysses Guimarães, do PMDB, com 4,8% cada um. No 2º turno, Lula
ameaçou virar o jogo, mas Collor confirmou sua vitória, com 53% contra 47% dos
votos.
No campo externo, o maior esforço
passou a ser a cooperação econômica com os vizinhos da América do Sul. Um
gigante no subcontinente, com uma crescente produção agrícola, o
Brasil transbordava de suas fronteiras. O primeiro esforço datou de 1960, com a
criação da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC). Não
funcionou. Tentou-se aprimorá-la com a Associação Latino-Americana de
Desenvolvimento (ALADI) em 1980. O paradigma de integração, no entanto, só foi
superado com a criação em 1991 do Mercado Comum do Cone Sul (MERCOSUL) uma
associação comercial entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Os primeiros
entendimentos se iniciaram em 1988 com a aproximação entre os presidentes
Sarney e Alfonsín, de Brasil e Argentina. Sempre houve uma preocupação de um
eventual conflito armado entre as duas maiores economias da América do Sul; algo
similar ao ocorrido entre Argentina e Chile em 1980, uma guerra só evitada à
última hora por interferência do papa João Paulo II. O entendimento e a
cooperação mútua com o Mercado Comum afastaram este risco.
Um país redemocratizado (ou
pode-se dizer também: pela primeira vez na história, verdadeiramente
democratizado) ainda imerso num caos econômico, redefinindo suas relações
políticas internacionais e com anseios de auto-afirmação.
Neste contexto, o esporte
representava um processo ainda em formação de sentimento nacionalista. A
Seleção Brasileira era um destes alicerces de sinergia nacional. O
automobilismo passou a ser outro. Emerson Fittipaldi havia sido bi-campeão
mundial de Fórmula 1 em 1972 e 1974. Nos anos 1980, uma dupla brilhou nas
pistas de corrida, Nélson Piquet foi tri-campeão, em 1981 e 1983 pilotando uma
Brabham, e em 1987 dirigindo uma Willians; Ayrton Senna também foi tri-campeão
em 1988, 1990 e 1991, nos três anos guiando uma McLaren. Em onze grandes
prêmios na história uma corrida terminou com dois brasileiros nas duas
primeiras posições, em oito destes onze a “dobradinha” foi entre Piquet e
Senna.
Ayrton Senna, em especial, virou
um ídolo, um símbolo nacional. Em meio à frieza milionária do automobilismo,
Ayrton a cada vitória parava o carro e esperava receber uma bandeira do Brasil,
com a qual completava a volta de comemoração. Colocava emoção e vida naquele
mundo emocionalmente gélido. Ganhou o coração do povo.
Nas pistas de corrida dos Estados
Unidos, o veterano Emerson Fittipaldi sagrava-se campeão da Fórmula Indy em
1989. Ele abriu as pistas norte-americanas para a entrada de pilotos
brasileiros, como Gil de Ferran, bi-campeão em 2000 e 2001, Cristiano da Matta,
campeão em 2002 e Tony Kanaan, campeão em 2004. Na principal corrida da
categoria, as 500 Milhas de Indianápolis, o Brasil é o país que mais vezes
venceu a corrida depois dos EUA. Sete triunfos brasileiros nas 500 Milhas até
2013: Emerson Fittipaldi venceu em 1989 e 1993; Hélio Castroneves em 2001, 2002
e 2009; Gil de Ferran em 2003; e Tony Kannan em 2013.
Outra paixão esportiva emergiu
nos anos 1980, o voleibol. Ele chegou ao Brasil despretensiosamente no início
dos anos 1960, era jogado nas praias do Rio de Janeiro e chamado pelos jornais
de volibol. A migração para as quadras só aconteceu durante os anos 1970. Mas
foi nos anos 1980 que o vôlei do Brasil começou a brilhar. Primeiro com a
geração que ganhou a Medalha de Prata no masculino nas Olimpíadas de Los Angeles
em 1984, depois com a geração Medalha de Ouro nas Olimpíadas de Barcelona em
1992. Rapidamente, o esporte passou à segunda colocação entre as preferências
nacionais, só o futebol, imbatível no país, era mais popular. Nascia uma era de
grandes conquistas!
No masculino, o vôlei do Brasil
ganhou a Medalha de Ouro nos Jogos Olímpicos de 1992 e de 2004, Medalha de
Prata em 1984, 2008 e 2012, foi campeão da Copa do Mundo em 2003 e 2007, e
campeão do Campeonato Mundial em 2002, 2006 e 2010. Na Liga Mundial, competição
anual, foi campeão em 1993, em 2001, cinco vezes seguida entre 2003 e 2007, e
voltou a vencer em 2009 e 2010 (em 24 edições, venceu 9 contra 8 da Itália, os
dois maiores campeões).
No feminino, o vôlei do Brasil
foi Bi-campeão Olímpico em 2008 e 2012, Medalha de Bronze em 1996 e 2000, e no
Grand Prix, competição anual, foi campeão em 1994, 1996, 1998, 2004, 2005,
2006, 2008, 2009 e 2013; 9 títulos em 21 edições, o maior vencedor da história
do torneio, seguido pelos Estados Unidos com 5 títulos.
O Brasil era um país com um
potente motor forçando-o a um papel de protagonista no cenário mundial, mas
puxando a âncora de seu passado colonial e as heranças de uma sociedade em que
o nível de escolaridade da maioria ainda estava longe do ideal, as relações de
poder envoltas em muita corrupção e em relações nas quais o mérito era na
maioria das vezes sobreposto por relações clientelistas.
O Brasil vivia sua primeira
experiência realmente democrática. Um processo como o de um adolescente que sai
de baixo das asas dos pais, quando começa a refletir sobre si e vai tomando
consciência de suas capacidades e de suas limitações. Um processo de
aprendizado, onde o crescimento não é contínuo, sob reflexões muitas vezes
ainda confusas, oscilando entre clareza e cegueira nos passos que necessitam
ser dados, onde convicção e negação pareciam se misturar de forma indissolúvel.
Em 1985, o país foi às ruas se
despedir e chorar a morte do primeiro presidente civil em duas décadas. Em
1991, muito pouco tempo depois, saiu às ruas para pedir a cassação do primeiro
presidente diretamente eleito pelo povo. Fernando Collor de Melo foi denunciado
pelo irmão, Pedro Collor: seu tesoureiro, Paulo César Farias, operava um
sistema de cobrança de propina para empreiteiras e de superfaturamento de obras
públicas. Acabou cassado, com o Congresso Nacional aprovando seu Impeachment
diante das evidências. As pessoas mal sabiam quem era o vice-presidente, Itamar
Franco, político discreto de Minas Gerais. A ele coube o ordenamento econômico
e a repacificação política. Completou o mandato de Collor, tendo sido o
Presidente da República até o fim de 1993.
Em paralelo a toda esta
turbulência, o país convivia com a escalada da violência. Era a conseqüência
natural de uma dinâmica conhecida para sociólogos e economistas: menos emprego,
mais roubos e assaltos e formação de um ciclo vicioso: mais violência gera mais
retração econômica e ao se perderem mais vagas de emprego, aumenta mais a
violência, levando trabalhadores à margem da empregabilidade e à luta por sua
subsistência, forjando oportunidades na informalidade. Parecia não haver saída
a este quadro caótico.
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