A relação de Mário Jorge Lobo
Zagallo com a imprensa paulista era complicada desde muito tempo. Desde que
Zagallo barrou Pepe no time titular do Brasil nas Copas de 1958 e 1962. Desde
quando Zagallo se subjugou a ser o "treinador a Ditadura" e aceitou
levar Dadá para a Copa de 70 no lugar do várias vezes artilheiro do campeonato
paulista, Toninho Guerreiro. Na Copa de 94, Zagallo, como assistente de
Parreira, era uma espécie de pára-raios; era quem aparecia para o
"embate" com os jornalistas nas coletivas de imprensa, era quem
comprava as brigas, a maioria delas com "jornalistas da velha guarda
paulistana", um deles em especial, Juarez Soares.
Um evento simbólico do turbilhão
pelo qual passava a Seleção: em 1 de julho de 1994, Evandro Carlos de Andrade
escreveu um artigo no jornal carioca O GLOBO que foi uma bomba. O título era
"Tudo Certo", e embutia uma crítica e uma provocação aos
comentaristas da paulista Rede Bandeirantes, principais críticos naquele
momento da campanha da Seleção Brasileira.
Nas palavras de Evandro:
"Dos vários fatores que me sustentam a esperança de comemorarmos a quarta
conquista da Copa do Mundo, nenhum tem o peso da tranquilidade demonstrada e
oferecida pela dupla Parreira-Zagallo. Nem mesmo Romário, porque é evidente que
tem estado em campo só para a conta do chá: o golzinho indispensável e
classificador; no mais, é claro que por medo de tornar realidade aquela ameaça
de distensão na virilha, ele tem escondido o jogo. Tem até razão: dessa
maneira, concede tempo ao tempo para consolidar a cura e soltar o freio na reta
final.
Meu assunto, porém, é a dupla
formada pelo técnico principal e o que o auxilia. Neles, muito admiro, mas
sobretudo a força de caráter e convicção. Daí deriva a coerência, que
estruturou com paciência uma equipe poderosa, habilitada para ganhar a Copa.
Contra o seu trabalho, ergue-se a
bulha dos comentaristas profissionais e dos demais palpiteiros que, como eu,
formam um povo apaixonado por futebol. Infelizmente, não estamos tecnicamente
preparados para sustentar a oposição ao que Parreira e seu conselheiro decidem.
É tudo comentarista de resultado. Os mais experientes, e que ganham para isso,
quando sentem perigo de vitória da seleção brasileira, vão subindo no muro
devagarzinho, preparando-se para elogiar a contragosto, caso a porcaria da
seleção acabe mesmo irritantemente campeã.
Tomo por exemplo o comentarista
Mário Sérgio. Ex-ponta-esquerda razoável e notavelmente indisciplinado, ele
passou à categoria de crítico de futebol, com breve interrupção para uma
experiência como técnico, boa mas concluída com a conquista do campeonato
paulista pelo seu concorrente.
Com esse acervo, ele deita e rola
na TV. Debocha de Zagallo, como se fosse possível cotejar as duas biografias.
Quarta-feira passada, escalou uma seleção ao seu gosto, toda com jogadores que
ficaram no Brasil. Corrige erros de português de Parreira. No dia da estréia do
Brasil, o título do artigo que publicou era "Tudo errado",
referindo-se ao nosso time.
Bem, como detesto unanimidades,
fiel à sábia observação de Nélson Rodrigues de que todas elas são burras, peço
licença para dizer que estou orgulhoso de nossa seleção. Está aí invicta, cinco
gols de saldo, enquanto todas as outras se embolam com resultados e climas
complicados. A atitude dos jogadores até agora é impecável. Se estão
antipáticos, não podem merecer elogios por isso, mas têm o direito, desde que
ajam educadamente como vêm agindo. Nenhum foi expulso de campo, nenhum está
impedido por cartões amarelos de passar à nova fase, o grupo voltou como
primeiro da chave ao "lar" de Los Gatos.
Vai-se ouvir comentarista, a
impressão é que os brasileiros são um vexame só. E começa-se a desmerecer
antecipadamente a própria conquista do título, como se trazê-lo não passasse de
obrigação. Os outros não estão jogando nada, dizem agora, depois de terem descoberto
indizíveis maravilhas na Colômbia, na Romênia, na Nigéria, para não falar na
Arábia e no México. Como se nas outras Copas houvesse uma inflação de equipes
maravilhosas.
Compara-se a atual, para
denegri-la, com seleções brasileiras que nunca existiram, seleções de sonho. É
como se não tivéssemos à disposição filme ou videotape das campanhas em que o
Brasil brilhou. Pois eu de vez em quando vejo um ou outro. E o que vejo são
jogadas maravilhosas entremeadas de erros incríveis. Outro dia mesmo, revi pela
enésima vez Brasil x Inglaterra de 1970. A Inglaterra jogou um pouco melhor e
se a sorte não nos ajudasse bem podíamos ter tropeçado ali. Quantos passes
errados, quantos chutes às nuvens, que defesa medíocre! Na final de 58, contra
a indigente Suécia, terminada com goleada e glória, quanta bobagem, a começar
pelo frango inaugural engolido pelo Gilmar!
A atual seleção erra, e é claro
que não tem no meio de capo um lançador como Didi ou Gérson. Em compensação,
esbanja categoria nas laterais, têm um paredão à frente dos beques, dois
goleadores de primeira categoria - e mais que tudo um sentido de equipe, dentro
e fora de campo, como nunca houve. A isso dão depreciativamente o nome de
"esquema do Parreira".
Pois sem esquema não se ganha Copa
e não conheço tolice maior do que dizer que é mais importante jogar bonito do
que ganhar. Me faz lembrar o América de quatro décadas atrás, brilhando em
campo mas incapaz de chegar ao título. Ganhou o apelido debochado mas merecido
de tico-tico no fubá.
Por essas e outras é que
comentários, no momento, só acolho os de Cruyff, aquele que impõe ao time do
Barcelona seu esquema graças ao qual Romário é campeão da Espanha. Grande
jogador que foi, grande técnico que é, Cruyff vê o grande poder da seleção
brasileira com a admiração de quem é neutro e isento. Afinal, holandês, ele não
tem medo de perder lugar no Olimpo brasileiro para os novos heróis do
futebol".
O artigo de Evandro, publicado
naquela manhã, três dias antes do jogo pelas oitavas-de-final contra os Estados
Unidos, escrito num jornal das Organizações Globo, foi faísca em barril de
pólvora no debate televisivo da noite na Bandeirantes, grupo de mídia
concorrente. O programa "Apito Final" era um debate comandado pelo
jornalista Luciano do Vale, que contava com os jornalistas Juarez Soares e
Sylvio Luiz, e os ex-jogadores Rivellino, Gérson, Tostão e Mário Sérgio, além
do jornalista e poeta Armando Nogueira. Mário Sérgio e Gérson apontaram a
metralhadora para aquele que, segundo o primeiro, era um "jornalistazinho
moleque que estava querendo aparecer". Os ataques e impropérios contra
Evandro Carlos de Andrade se seguiram até os comerciais. Na volta destes,
silêncio absoluto no estúdio, câmera sobre Armando Nogueira, que ouvira calado
todos os ataques do bloco anterior. E Armando fala: "gostaria de deixar
claro que o Evandro não é nenhum moleque, não é nenhum garoto inexperiente que
começou agora no jornalismo. Evandro é meu amigo desde os tempos em que
cobrimos juntos a Copa de 54" ... e Armando narra todos os meios de comunicação
em que os dois trabalharam juntos. Terminada a narrativa, sob grande
constrangimento, seguiu-se o programa. Evandro Carlos de Andrade, autor do
artigo, era, nada mais nada menos, o Diretor Geral de toda a Central da Rede Globo de Jornalismo.
No dia seguinte, a CBF mandou o
artigo "Tudo certo" por fax para os EUA e o supervisor Américo Faria
reuniu jogadores e comissão técnica antes do treino, na Universidade de Santa
Clara, e o leu em voz alta como fator motivador para o grupo. O episódio só
aumentou a acidez da relação entre a comissão técnica, especialmente Zagallo, e
a imprensa paulista. As críticas não diminuíram, muito pelo contrário,
aumentaram. Quando o Brasil quase foi derrubado pela Holanda, a voz dos
críticos quase atingiu o Olimpo, mas a vitória brasileira só fez crescer o
"risco de título". Quando a Seleção Brasileira avançou à final, o
mesmo "Apito Final" teve uma noite de clima quase fúnebre. E o Brasil
foi tetra...
Zagallo jogou duas Copas do Mundo como jogador e foi
campeão em ambas: 1958 e 1962. Como treinador, foi campeão em 1970. Mantido no
cargo, foi semi-finalista em 1974. Como coordenador-técnico voltou a ser
campeão na Copa de 94. Jogar cinco Mundiais e ser campeão em quatro, e tendo
chegado à semi-final em todos os cinco, era um currículo que ninguém tinha no
futebol mundial. Após a Copa de 94, Parreira sai. Zagallo poderia ter saído
também, já realizado, já com 63 anos. Mas ele decide aceitar o convite para ser
o técnico no lugar de Parreira, para a loucura de seus críticos. E eis que em
1997 ele consegue levar a Seleção Brasileira a ser campeã de uma Copa América
jogada fora do Brasil, algo inédito nos 83 anos que a Seleção Brasileira tinha
então. Emocionado à beira do campo, Zagallo esbraveja com dedo em riste aos
microfones da mídia brasileira: "Vocês vão ter que me engolir!".
E em 1998 ele foi para sua sexta Copa do Mundo, e chegou à sua quinta final, na qual desta vez foi derrotado. Seis Copas, seis vezes semi-finalista, cinco vezes finalista, quatro vezes campeão. Um curriculum diferenciado do Velho Lobo, Zagallo.
E em 1998 ele foi para sua sexta Copa do Mundo, e chegou à sua quinta final, na qual desta vez foi derrotado. Seis Copas, seis vezes semi-finalista, cinco vezes finalista, quatro vezes campeão. Um curriculum diferenciado do Velho Lobo, Zagallo.
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