quarta-feira, 7 de maio de 2014

Ser Campeão Moral serve?

O trabalho de Cláudio Coutinho se iniciou com uma vitória avassaladora sobre a Colômbia no Maracanã por 6 x 0, em partida pelas Eliminatórias. Depois o Brasil venceu o Paraguai por 1 x 0 em Assunção e empatou no Maracanã. A seleção avançou para um triangular final, do qual sairiam dois classificados para a Copa. A Argentina já estava classificada, como país-sede. Brasil, Bolívia (que eliminou o Uruguai) e Peru (que eliminou o Chile) disputariam duas vagas da América do Sul.

Coutinho era um aficionado por estratégia de jogo, era um estudioso de esquemas táticos, numa época em que com o “futebol total” jogado por Alemanha e Holanda fez com que o sistema de jogo ganhasse cada vez mais importância dentro das quatro linhas.

A estratégia de jogo de Cláudio Coutinho se baseava, sobretudo, na projeção para ocupação dos espaços vazios. Nome confuso para uma estratégia simples: posicionar o time em campo de uma forma que deixasse espaços vazios na defesa adversária para que os meias lançassem a bola em profundidade nestes espaços para a penetração de quem viesse de trás, surpreendendo a defesa adversária. O lançamento deixava de ser ao “estilo Gérson”, que pegava a bola no meio e colocava no peito de Pelé na entrada da área, passando a ser um “lançamento no vazio”, mas numa trajetória da bola indo de encontro ao jogador no “espaço futuro”. A bola e o jogador lançado tinham que formar duas linhas concorrentes no campo.

O futebol revolucionário de holandeses e alemães fazia as equipes se movimentarem de forma compacta, pressionando quem tinha a posse de bola no time adversário, e com inversões constantes do posicionamento dos jogadores em campo. Esta movimentação mais agrupada deixava espaços vazios em áreas distantes de quem estava com a bola. Na visão de Coutinho, a saída deste xadrez seria treinar os jogadores para aproveitar estes espaços.

Com Coutinho, a Seleção Brasileira continuou a série de bons resultados que já vinha obtendo com Osvaldo Brandão. Antes da segunda fase das Eliminatórias, o time fez alguns amistosos locais (Seleção Carioca, Seleção Paulista, Seleção Fluminense, Seleção Goiana e Seleção Paranaense) e jogou no Maracanã contra Inglaterra, Alemanha e França (três empates), e venceu o Milan, da Itália. Ainda venceu Polônia e Escócia, em São Paulo, e Iugoslávia, em Belo Horizonte. Bem preparado, o time não teve dificuldades para conseguir sua vaga para o Mundial. Venceu ao Peru por 1 x 0 e atropelou à Bolívia por 8 x 0. Brasil e Peru avançaram à Copa de 78, na qual sairiam como personagens principais de uma louca história.

O time brasileiro tido como titular em 1977 tinha: Leão (Palmeiras), Zé Maria (Corinthians), Luís Pereira (Atlético de Madrid, Espanha), Edinho (Fluminense) e Marinho Chagas (Fluminense), Toninho Cerezo (Atlético Mineiro), Paulo Isidoro (Atlético Mineiro) e Rivellino (Fluminense), Gil (Botafogo), Roberto Dinamite (Vasco) e Paulo César Caju (Botafogo). O meia Zico, do Flamengo, e o centroavante Reinaldo, do Atlético Mineiro, também jogaram muitos destes jogos.

Em 1978, antes da Copa, o Brasil fez alguns amistosos locais (Seleção Pernambucana e Seleção Gaúcha) e depois viajou para a Europa, onde fez uma série de cinco amistosos (venceu Alemanha, Internazionale, da Itália, e Atlético de Madrid, da Espanha; empatou com a Inglaterra e perdeu para a França). No Maracanã, ainda venceu ao Peru por 3 x 0 e à Tchecoslováquia por 2 x 0.

Terminada a preparação, Cláudio Coutinho anunciou seus escolhidos para jogar a Copa do Mundo de 1978:

Goleiros: Leão (Palmeiras), Valdir Peres (São Paulo) e Carlos (Ponte Preta)
Laterais: Toninho Baiano (Flamengo), Nelinho (Cruzeiro), Edinho (Fluminense) e Rodrigues Neto (Botafogo)
Zagueiros: Oscar (Ponte Preta), Amaral (Corinthians), Abel Braga (Vasco) e Polozzi (Ponte Preta)
Meias: Toninho Cerezo (Atlético Mineiro), Batista (Internacional), Chicão (São Paulo), Rivellino (Fluminense), Zico (Flamengo) e Jorge Mendonça (Palmeiras)
Atacantes: Gil (Botafogo), Roberto Dinamite (Vasco), Reinaldo (Atlético Mineiro), Zé Sérgio (São Paulo) e Dirceu (Vasco).


Foram vários os testes feitos nos três anos anteriores. Em 1976, Osvaldo Brandão havia utilizado 46 jogadores diferentes, relembrando a preparação para a Copa de 66. Em 1977, foram utilizados 36 jogadores diferentes. Havia margem para contestações, e elas naturalmente surgiram. Algumas vozes queriam o lateral-direito do Corinthians, Zé Maria, entre os convocados, outras queriam o lateral-esquerdo Júnior, do Flamengo. Vozes pediam que o zagueiro Luís Pereira estivesse na lista, outras pediam o meia Paulo Isidoro. As mais enfáticas, no entanto, eram as que pediam a presença de Paulo Roberto Falcão, meio-campista do Internacional.

A 11ª Copa do Mundo foi disputada na Argentina. Foi a última Copa a reunir 16 equipes. As duas principais ausências, entre as seleções de maior tradição, eram o Uruguai (eliminado pela Bolívia) e a Inglaterra (eliminada pela Itália). Na 1ª fase, o Grupo 1 tinha Argentina, Itália, França e Hungria; o Grupo 2 tinha Alemanha Ocidental, Polônia, México e Tunísia; o Grupo 3 tinha Brasil, Espanha, Áustria e Suécia; e o Grupo 4 tinha Holanda, Escócia, Peru e Irã. De certo que no primeiro grupo, um verdadeiro “grupo da morte”, uma camisa de tradição cairia logo na primeira fase, dado que só dois se classificavam; quem ficou pelo caminho foi a França.

Na 2ª fase, os oito classificados se reuniram em dois grupos com quatro equipes, com os primeiros colocados avançando para a final. O Grupo A reuniu Alemanha, Holanda, Itália e Áustria. Detalhe para a presença dos dois finalistas do Mundial de 74. Já o Grupo B reuniu Argentina, Brasil, Peru e Polônia.

Logo na primeira fase o Brasil já pode ver que tipo de dificuldades iria ter pela frente naquela Copa. Na estréia, um empate em 1 x 1 com a Suécia, o juiz galês Clive Thomas encerrou o jogo com a bola no ar numa cobrança de escanteio, a qual terminou com a cabeçada de Zico para o fundo das redes. Reza a lenda que o apito soou com a bola no ar, no meio do trajeto entre o chute do cobrador e a cabeçada de Zico. De nada serviu protestar. No segundo jogo, um novo empate, desta vez sem gols, contra a Espanha. Com dois empates nos dois primeiros jogos, a campanha estava lembrando a da Copa de 74. Mas o último jogo não era contra o frágil Zaire, como fora naquele Mundial. O Brasil tinha pela frente a retranca defensiva da Áustria, e só uma vitória significava a classificação. E com tensão, porque no outro jogo, no mesmo horário, se a Suécia vencesse a Espanha, só uma vitória por dois gols colocaria o Brasil na fase seguinte.

O Brasil fez seu dever de casa, com um gol de Roberto Dinamite aos 40 minutos do primeiro tempo, que garantiu a magra vitória por 1 x 0. O alívio só veio quando a Espanha marcou sobre os suecos aos 30 do segundo tempo. Suspiro aliviado, o Brasil estava classificado.

O time titular de Coutinho: Leão, Toninho Baiano, Oscar, Amaral e Edinho, Toninho Cerezo, Batista e Zico (Jorge Mendonça), Gil, Roberto Dinamite e Dirceu. O time perdeu Rivellino lesionado, que chegou a atuar em alguns jogos, mas sem estar cem por cento. Já no meio, Zico começou titular, depois Jorge Mendonça passou a ser o titular, e Zico recuperando a posição nos últimos jogos.

Na 2ª fase, o Brasil venceu o Peru por 3 x 0, com dois gols de Dirceu e um de Zico. Uma boa vitória, mas que seria fatal para os desdobramentos que vieram a seguir. Depois veio o jogo com a Argentina. O Brasil jogou melhor, mas não conseguiu vencer. Se o tivesse feito, teria selado sua passagem à final, em plenas terras argentinas. Ninguém conseguiu fazer gols.


No último jogo, o Brasil venceu a Polônia por 3 x 1, mesma vantagem de gols da Argentina sobre os poloneses (vitória por 2 x 0). O detalhe importante é que os dois jogos não foram no mesmo horário. O Brasil entrou em campo primeiro, com isto a Argentina, que começou a enfrentar ao Peru já depois do apito final do jogo entre brasileiros e poloneses, já sabia de qual resultado precisava: uma vitória por 4 x 0 ou mais lhe colocava na final. Por 3 x 0 ou menos, colocava o Brasil na final.

Na outra chave, a Holanda fez 5 x 1 na Áustria e 2 x 1 na Itália, e empatou em 2 x 2 com a Alemanha. Como alemães e italianos também tinham empatado entre eles, os holandeses ficaram em primeiro no grupo e avançaram para sua segunda final de Copa do Mundo consecutiva.

Voltemos a Argentina x Peru. O time peruano era uma boa equipe, era a mesma base que eliminou a Argentina nas Eliminatórias e foi à Copa de 70, e que depois se sagrou campeã da Copa América de 1975. O time tinha Chumpitaz, Oblitas e Teófilo Cubillas. Mas no gol, estava o argentino naturalizado peruano Quiroga.

Os dois países, irmanados pela língua espanhola, tinham o mesmo libertador do período colonial, o general argentino José de San Martin. Ambos viviam sob Ditadura Militar, na Argentina com o general Videla e no Peru com o general Francisco Bermúdez. E neste dia, os dois generais se reuniram antes do jogo e depois estiveram juntos nos vestiários de Peru e de Argentina.

O jogo começou e os argentinos tinham amplo domínio. O primeiro tempo terminou 2 x 0. Logo na volta do intervalo a fatura se definiu, com dois gols seguidos. Aos 4 minutos do segundo tempo o placar já apontava os 4 x 0 necessários para os argentinos. Ainda houve tempo para mais dois, final: Argentina 6 x 0 Peru.

Os argentinos foram para a final, venceram a Holanda por 3 x 1 e conquistaram o primeiro título mundial de sua história. O Brasil venceu a Itália e ficou com o terceiro lugar. Com quatro vitórias e três empates, a Seleção Brasileira terminou a Copa de 78 invicta. No desembarque no país, questionado pela imprensa, Cláudio Coutinho disse: “nós fomos os campeões morais”. Alguns anos depois, jogadores peruanos deram declarações afirmando que alguns companheiros de equipe receberam dinheiro do governo argentino para entregar o jogo, o que jamais foi comprovado.

A Argentina campeã do mundo: Fillol; Olguín, Luis Galván, Passarela e Tarantini; Osvaldo Ardiles, Gallego e Daniel Bertoni; Luque, Mario Kempes e Oscar Ortiz, com César Menotti como treinador.

A Seleção da Copa eleita pela FIFA: Fillol (Argentina), Berti Vogts (Alemanha), Daniel Passarela (Argentina), Tarantini (Argentina) e Ruud Krol (Holanda), Causio (Itália), Rensenbrink (Holanda) e Teófilo Cubillas (Peru), Bertoni (Argentina), Mário Kempes (Argentina) e Dirceu (Brasil).

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