domingo, 13 de abril de 2014

As Feras do Saldanha

O Brasil tinha ficado traumatizado com os 44 jogadores utilizados em 1966 e com os 52 utilizados em 1968. Numa jogada de pacificação dos ânimos, a primeira declaração oficial de João Saldanha como técnico da Seleção Brasileira foi o anúncio de quais eram seus onze titulares: Félix, Carlos Alberto Torres, Djalma Dias, Joel Camargo e Rildo; Wilson Piazza e Gérson; Jairzinho, Tostão, Pelé e Edu. O treinador os batizou como "As feras do Saldanha".

A escolha de Saldanha era emblemática frente ao momento político do país. Em plena Ditadura Militar, João Saldanha era um comunista convicto e não escondia sua preferência política de ninguém. Em outros regimes militares da América do Sul, como os vividos na Argentina e no Chile, que mataram proporcionalmente bem mais do que no Brasil, jamais um comunista ocuparia o cargo de técnico da seleção do país. O Brasil tinha estas particularidades, fruto de suas complexidades.

A estréia de Saldanha foi em 7 de abril de 1969, e foi o primeiro jogo da Seleção Brasileira, na história, realizado em Porto Alegre, disputado no Estádio Beira-Rio. O Brasil venceu o Peru por 2 x 1. Das 11 feras escaladas na entrevista coletiva de apresentação do novo treinador, Joel e Edu não jogaram, foram substituídos por Brito e Dirceu Lopes.

Assim como o time titular de Aymoré Moreira em 1968, o time de Saldanha em 1969 tinha oito dos que viriam a ser titulares no México em 1970. A mexida de um para outro foi a consistência do meio-campo. O time de Aymoré não tinha nenhum meio-campista responsável por marcar, Gérson e Rivellino eram armadores de jogadas. Com Saldanha, Piazza fazia a marcação e deixava a defesa menos vulnerável. Funcionou. O Brasil venceu novamente o Peru, jogando no Maracanã, onde também superou a Inglaterra. Depois fez amistosos no Nordeste do país, vencendo ao Bahia, em Salvador, à Seleção Sergipana, em Aracaju, e à Seleção Pernambucana, em Recife. Com seis vitórias consecutivas, viajou para jogar as Eliminatórias.

O grupo do Brasil tinha Paraguai, Colômbia e Venezuela. Só o primeiro colocado do grupo iria à Copa do Mundo. A Seleção Brasileira fez campanha arrasadora. Na estréia venceu a Colômbia, em Bogotá, por 2 x 0, dois gols de Tostão. Depois, fez 5 x 0 na Venezuela, em Caracas, e 3 x 0 no Paraguai, em Assunção. A classificação estava praticamente assegurada. E o Brasil havia voltado a jogar um bom futebol. No returno, nos jogos no Brasil, todos jogados no Maracanã, goleadas por 6 x 2 na Colômbia e por 6 x 0 na Venezuela. No último jogo, o maior público da história do Maracanã, quase 200 mil pessoas viram o Brasil vencer o Paraguai por 1 x 0. A grande estrela da fantástica campanha brasileira naquelas Eliminatórias foi Tostão, artilheiro com 10 gols.

Brasil x Paraguai

No último jogo do ano, um deslize que marcaria a história da Seleção Brasileira. Em 3 de setembro de 1969, a Seleção Brasileira perdeu por 2 x 1 para o Atlético Mineiro no Mineirão, em Belo Horizonte. O centroavante atleticano Dario, apelidado de Dadá Maravilha, foi a estrela do jogo, e isto traria conseqüências no ano seguinte.

O time titular naquele ano foi: Félix (Fluminense), Carlos Alberto Torres (Santos), Djalma Dias (Santos), Joel Camargo (Santos) e Rildo (Santos), Wilson Piazza (Cruzeiro) e Gérson (Botafogo), Jairzinho (Botafogo), Tostão (Cruzeiro), Pelé (Santos) e Edu (Santos). A base era o time do Santos, com seis dos onze titulares.

No começo de 1970, o Brasil fez dois amistosos contra a Argentina - que eliminada pelo Peru, não iria à Copa de 70 - perdeu por 2 x 0 no Beira-Rio, em Porto Alegre, e venceu por 2 x 1 no Maracanã, no Rio de Janeiro. A seguir, em 14 de março de 1970, restando três meses para a Copa, a Seleção Brasileira empatou por 1 x 1 com o Bangu, no acanhado Estádio de Moça Bonita, na zona oeste do Rio de Janeiro. O desempenho aquém do esperado gerou muitas críticas. Uma das opiniões veio do Presidente da República, o general Emílio Garrastazu Médici, que sugeriu a convocação do atacante Dario, do Atlético Mineiro. Questionado por um jornalista, João Saldanha foi enfático na resposta: “O presidente que escolha os ministros dele, porque meus jogadores escolho eu”. A ordem foi imediata, João Saldanha estava demitido!

Saldanha, homem de personalidade polêmica e temperamento forte, e um opositor ao Regime Militar mesmo enquanto esteve técnico da seleção, resolveu tumultuar as coisas. Ele foi à imprensa com declarações bombásticas, entre as quais a que mais ganhou destaque foi a de que Pelé estava prestes a ser forçado a encerrar a carreira, porque tinha um alto grau de miopia e estava perdendo a visão.

Um dia depois da demissão e a Seleção Brasileira já tinha novo treinador, e ele também vinha do Botafogo, assim como Saldanha: Mário Jorge Lobo Zagallo. Faltavam só três meses para o Mundial, um treinador novo chegava, a insegurança e a desconfiança chagaram após os resultados ruins contra a Argentina e o Bangu, e na imprensa o ex-treinador lançava boatos a esmo para bagunçar mais o ambiente.


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