domingo, 30 de março de 2014

O Bi-Mundial em 1962 no Chile

No futebol, o Brasil havia conquistado o mundo, havia virado potência. E era um gigante humilde. O símbolo das conquistas: um fenômeno de pernas tortas, Garrincha, um cara que aqueles que viam caminhar pensavam ser um aleijado. Suas pernas eram tão curvadas para a esquerda, que vários clubes não o aceitaram, ali não podia haver um jogador de futebol. O gênio das pernas tortas, símbolo maior da irreverência, da superação e da cordialidade de um povo; ícone de humildade, que driblou os maiores jogadores de futebol do mundo e deu ao brasileiro o orgulho de sentir-se campeão do mundo. E o país cantou: com o brasileiro, não há quem possa.

Garrincha não diferenciava o marcador do Bangu, do Flamengo, do Santos, da União Soviética ou da Inglaterra. Eram todos “só mais um João” na ótica humilde do camisa 7 do Botafogo e da Seleção. Cada João que ficava para trás fazia parecer que não haveria quem pudesse conter essa gente. O Brasil era o País do Futuro. Era a crença que, cinqüenta anos depois, certamente o mundo estaria diante de um país que refletiria a grandeza daquele espírito que superava seus desafios e trilharia uma rota de grandeza.

O Brasil não precisou jogar as Eliminatórias para a Copa de 1962, porque era o detentor do título de campeão mundial. O Chile também não, pois era país-sede. As três vagas da América do Sul ficaram com Argentina, Uruguai e Colômbia. O Paraguai ficou de fora. Na Europa não houve surpresas.

Os 16 participantes da 7ª Copa do Mundo foram divididos em quatro grupos. O Grupo 1 tinha União Soviética, Iugoslávia, Uruguai e Colômbia. Um grupo difícil, que deixou os uruguaios eliminados logo na primeira fase. O Grupo 2 tinha Alemanha Ocidental, Itália, Suíça e Chile. Um grupo da morte, pelos chilenos estarem jogando em casa. No jogo que entrou para a história como “A Batalha de Santiago”, o Chile venceu a Itália por 2 x 0, na partida que é considerada a mais violenta da história dos Mundiais de Futebol, faltas violentíssimas, agressões, nariz quebrado, e um árbitro incapaz de colocar ordem. Assim, dois bi-campeões, Itália e Uruguai, caíam logo na primeira fase. O Grupo 3 tinha Espanha, Tchecoslováquia, Brasil e México; um grupo igualmente duro, afinal dele saíram os dois finalistas daquele Mundial. E o Grupo 4 tinha Inglaterra, Hungria, Bulgária e Argentina. Os argentinos, com Rattin e Sanfilippo, perderam para os ingleses e empataram com os húngaros e, pela segunda vez consecutiva, acabaram eliminados na primeira fase.

A linha de frente - Garrincha, Didi, Pelé, Vavá e Zagallo - em treino da Seleção

O Brasil venceu o México por 2 x 0 na sua estréia, gols de Pelé e Zagallo. Na segunda rodada, um empate sem gols com a Tchecoslováquia, jogo no qual Pelé sofreu uma distensão muscular que o tiraria do resto da Copa.

O jogo da terceira rodada valia a classificação. O Brasil não teria Pelé e do outro lado, com a camisa espanhola, estaria em campo o húngaro naturalizado Puskas. Mas a Espanha também estava desfalcada, não tinha o zagueiro uruguaio naturalizado Santamaria nem o atacante Luís Suárez, dois importantes nomes do plantel; além de também não ter ao meia argentino naturalizado Alfredo Di Stéfano, que com uma lesão muscular não entrou em campo nenhuma vez naquele Mundial.

A Espanha abriu o placar no primeiro tempo com gol de Adelardo. A reação brasileira saiu dos pés do substituto de Pelé, Amarildo. Ele empatou o jogo aos 27 minutos do segundo tempo. O empate já era suficiente para classificar o Brasil. Mas Amarildo fez o gol da virada aos 41 minutos e sacramentou a classificação. Os espanhóis reclamaram, com razão, um pênalti cometido por Nilton Santos, que após cometer a infração deu um passo para frente e saiu da área, enganando ao árbitro chileno, que marcou falta fora da área. Aquele lance poderia ter provocado a eliminação brasileira ainda na primeira fase.


Nas quartas, desafio duríssimo, a Seleção Brasileira tinha a Inglaterra pela frente. Com implacáveis 3 x 1, com dois gols de Garrincha e um de Vavá, o Brasil avançou para enfrentar o Chile na semi-final. Jogando em casa, tentando superar o trauma do terremoto de 1960 de 9.6 graus - o pior da história desde que o homem criou a escala de medição - tendo eliminado a Itália na primeira fase e a União Soviética nas quartas de final, o violento time chileno seria um grande desafio. Garrincha, endiabrado, fez dois gols. O Chile diminui. Vavá, logo na volta do segundo tempo, ampliou. Leonel Sánchez, de pênalti voltou a diminuir. Porém, a esperança chilena duraria dezessete minutos. Vavá voltou a marcar e colocou o 4 x 2 definitivo no placar. Na final, Brasil contra a Tchecoslováquia de Masopust.

Os tchecos seriam um adversário duro pela frente, o Brasil já tinha experimentado um empate sem gols na primeira fase, e eles haviam eliminado a Iugoslávia na semi-final, que por sua vez eliminou a Alemanha nas quartas. Mas não era o jogo mais duro que o Brasil teria pela frente naquela Copa do Mundo, a Espanha foi muito difícil de superar, a própria Inglaterra talvez fosse tecnicamente superior, e o Chile foi um jogo duríssimo mais pelas adversidades emocionais extra-campo do que pelo lado técnico. Na final, porém, o Brasil saiu atrás no marcador, mas empatou nos minutos seguintes, e depois consolidou um justo 3 x 1, gols de Amarildo, Zito e Vavá. A Taça do Mundo era do Brasil outra vez. O esquadrão bom no samba e bom na bola de couro era Bi-campeão do Mundo! O povo estava de novo nas ruas festejando. O sonho de ordem e progresso de ser o “maior do mundo” ia se consolidando com o futebol. Os brasileiros mais do que nunca sentiam orgulho de sua seleção.


Mauro ergue a Jules Rimet

Ficha Técnica
BRASIL 3 x 1 TCHECOSLOVÁQUIA
Gols: Masopust (15'1T), Amarildo (16'1T), Zito (24'2T) e Vavá (33'2T)

BRASIL: Gilmar; Djalma Santos, Mauro Ramos, Zózimo e Nílton Santos; Zito e Didi; Garrincha, Vavá, Amarildo e Zagallo.

TCHECOS.: Schroiff; Jiri Tichy, Svatopluk Pluskal, Jan Popluhar e Ladislav Novak; Adolf Scherer e Josef Masopust; Tomas Pospichal, Josef Kadraba, Andrei Kvasnak e Josef Jelinek.



A FIFA elegeu a seleção dos melhores da Mundial de 62 com supremacia de brasileiros, como não poderia deixar de ser: Schrojf (Tchecoslováquia), Djalma Santos (Brasil), Cesare Maldini (Itália), Voronin (União Soviética) e Schnellinger (Alemanha), Zito (Brasil) e Masopust (Tchecoslováquia), Garrincha (Brasil), Leonel Sánchez (Chile), Vavá (Brasil) e Zagallo (Brasil).



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