sábado, 22 de fevereiro de 2014

Um país que ia para frente

O Brasil foi tri-campeão mundial de futebol em meio a uma conjuntura nacional de intensas mudanças internas, marcos para a sociedade brasileira nas décadas seguintes.

Era uma sociedade traumatizada pelas marcas deixadas por uma Ditadura Militar que torturava e matava àqueles que ideologicamente não se alinhavam a ela. Depois do Golpe de 1964, sucederam-se cinco generais na Presidência da República.

Entre 1964 e 1985 o país foi governado pela Aliança Renovadora Nacional (ARENA), partido criado pelos militares. Havia permissão para apenas um partido de oposição, o Movimento Democrático Nacional (MDB). As eleições eram indiretas e sob total controle dos militares, um ato meramente simbólico. De 1964 a 1966 o presidente foi o general Humberto Castelo Branco, de 1967 a 1969 foi o general Artur da Costa e Silva, de 1970 a 1973 foi o general Emilio Garrastazu Médici, de 1974 a 1978 foi o general Ernesto Geisel, e de 1979 a 1985 foi o general João Baptista Figueiredo.

A oposição, no entanto, vinha ganhando cada vez mais espaço nas eleições presidenciais, mesmo estas sendo indiretas, com o Congresso Nacional elegendo o Presidente da República. Na eleição de 1974, o candidato de oposição, Ulysses Guimarães, conseguiu chegar a 16,0% dos votos. Na seguinte, em 1978, o candidato do MDB, Elias Monteiro, obteve 38,9% dos votos. A pressão pelo fim do regime crescia.

A Ditadura Militar no Brasil teve diferentes presidentes e mandatos relativamente regulares, nisto diferenciando-se um pouco também do que ocorreu em sues países vizinhos. Na Argentina, a Ditadura foi de 1966 a 1983, tendo no primeiro período, nos primeiros onze anos, tido sete distintos presidentes e uma tentativa de redemocratização em 1973, que se seguiu pelo mandato mais longo e período mais duro de repressão, com o general Jorge Videla na presidência entre 1976 e 1981. Nos últimos três anos de Ditadura, a Argentina teve cinco distintos presidentes.

No Chile, único país da América do Sul a viver o regime socialista, com o presidente Salvador Allende entre 1970 e 1973, a Ditadura Militar, que durou de 1973 a 1990, teve um único presidente, o general Augusto Pinochet. No Paraguai, a Ditadura do general Alfredo Stroessner durou de 1954 a 1989. Já no Uruguai houve uma Ditadura Civil-Militar, que durou de 1973 a 1985, com nenhum presidente neste período tendo sido militar, embora estes também controlassem a política.

Foi uma era de transformações para o Brasil, não só na política como na economia. A grandeza arquitetônica já fora edificada, a auto-estima nacional já havia sido devidamente massageada e a taça do mundo já era nossa. Todos os brasileiros viviam a imagem de que “com o malandro brasileiro não há quem possa”. Faltava construir as bases de uma economia forte. Em trancos e barrancos o país conseguira aproveitar o pós-Segunda Guerra Mundial para industrializar-se. Era preciso, agora, edificar a institucionalidade que civilizaria a economia brasileira. O amplo projeto de reflexões sobre reformas necessárias ao país passou pelas mãos técnicas de alguns economistas que trataram de moldar aqueles anseios de avanço, o sensível progresso do Brasil nesta área durante os anos 60 foi composto por um conjunto de leis arquitetadas por Octávio Bulhões e Roberto Campos. Fez parte deste conjunto de medidas a Lei 4.595, de 1964, conhecida como Lei do Sistema Financeiro.

Logo em seguida veio a Lei 4.728, de 1965, que foi batizada como Lei do Mercado de Capitais. Ali, naquele momento, se organizaram instituições como o Banco Central, o Conselho Monetário, o Sistema Financeiro Nacional, além do Sistema de Poupança e Empréstimo (“cadernetas”), o qual deflagrou a enorme onda de construções residenciais através do Sistema Financeiro da Habitação. O FGTS, outra grande inovação dos anos 60 – poupança de trabalhadores, depositada mensalmente pelos patrões – não só substituiu a rígida e atrapalhada estabilidade no emprego após dez anos de serviço, como criou a grande âncora social em caso de desemprego do cidadão. Todas as mudanças que amadureciam desde a Proclamação da República, em 1889, se somavam para dar ao país condições para o maior salto de progresso da história do Brasil, resumidos em uma década inteira de crescimento vertiginoso, com a economia brasileira avançando, em média, a 9,5% ao ano (é o dado oficial para o período entre 1967 e 1976), no que ficou sendo chamado de Milagre Econômico Brasileiro. Foi a maior expansão de uma economia nacional em todo o planeta durante o século XX. Os militares, então, foram às TVs com uma propaganda política sob o lema “Este é um país que vai para frente”.

No esporte, foram tempos de surgimento de novas paixões nacionais. Na Fórmula 1, o brasileiro Emerson Fittipaldi foi campeão mundial em 1972, pilotando uma Lotus, e em 1974, pilotando uma McLaren. Rapidamente o automobilismo virou uma paixão nacional também.

Mas o futebol foi o escolhido pela propaganda militar para exaltar os resultados do país. Enquanto matavam-se milhares, e torturavam outros mais ainda, a conquista da Copa do Mundo de 1970 foi usada pela Ditadura como símbolo do Brasil que ia para frente. Foi natural que isto desagradasse a muita gente. Surgiu então a crítica de que o futebol era o ópio do povo, o entretenimento que distraia e desviava a atenção, sedava a população e a impedia de refletir sobre qual sociedade se queria construir.

Pelé tinha ficado bastante desgostoso com aas pesadas críticas recebidas da imprensa após o fracasso no Mundial de 1966, tanto que havia ameaçado abandonar a Seleção Brasileira e não jogar em 70. Mudou de idéia, segundo ele mesmo, porque queria provar do que era capaz. Após a Copa do Mundo, mostrou insatisfação com a forma como a propaganda militar usou a conquista para uma exaltação de governo. Foi um motivo para ele sinalizar descontentamento e justificar a decisão que havia tomado: Pelé decidiu abandonar a seleção nacional, aos 30 anos, alegando que era preciso saber escolher a hora certa de parar, e o auge da carreira era a hora para isto. Pelo Santos ainda jogou até 1974. Com a camisa santista, jogou 1.120 jogos e fez 1.033 gols entre 1956 e 1974, uma espetacular média de 0,92 gols por jogo. Com a camisa brasileira, em partidas oficiais, foram 92 jogos e 77 gols, uma média de 0,84 gols por jogo. Um ano depois de encerrar a carreira, ele voltou à ativa, num projeto de tentativa de implementação do futebol profissional nos Estados Unidos, defendeu o New York Cosmos entre 1975 e 1977, e jogou 107 vezes, fazendo outros 64 gols. O único atleta três vezes campeão da Copa do Mundo como jogador, e único em toda a história a ter feito mais de mil gols na carreira. Pelé deixava a Seleção Brasileira.

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