O primeiro grande craque do
futebol brasileiro foi Arthur Friedenreich, que para os companheiros de clubes
e de Seleção Brasileira era tão só o Fried.
Talvez não houvesse herói mais
simbólico para ostentar a glória de primeiro craque a vestir a camisa
canarinho, pois era ele um autêntico mestiço. O pai era um comerciante alemão e
a mãe era lavadeira. O filho de um branco e uma negra. Um autêntico mestiço, um
grande personagem para premiar a formação de identidade do povo mais mestiço do
mundo em torno do futebol. O primeiro príncipe dos gramados brasileiros, ele
desfilou sua majestade por toda a América do Sul, e encantou seus rivais. Os
uruguaios, então bi-campeões sul-americanos, perderam o título de 1919 com um gol
na prorrogação feito por Fried, e daí o passaram a chamar de El Tigre.
Em 1925, o Paulistano, clube que
defendia, viajou para uma excursão à Europa, jogou dez jogos e venceu nove
deles. Os europeus ficaram fascinados com Friedenreich.
É muito comum que seja citado o
preconceito que existia nos primórdios do futebol brasileiro, quando negros não
praticavam o esporte, mas quase nunca se contextualiza a sociologia deste fato.
Até porque é um tema que merece ser tratado com cuidado, sem que seja dada qualquer
brecha para interpretações equivocadas que justifiquem atos discriminatórios
contra raça, religião ou qualquer outra atitude preconceituosa.
Mas é fato que Fried, com
indiscutíveis traços de mulato e sem camuflagens que tentassem esconder sua cor
de pele, esteve lá desde os primórdios da Seleção Brasileira, uniformizado e
ostentando o brasão da equipe canarinho.
Para dar o contexto sociológico da
questão racial no futebol brasileiro é preciso considerar e entender dois
aspectos: a diferença do perfil dos imigrantes no Rio de Janeiro e em São
Paulo, e as relações entre classes sociais no início do século XX.
O futebol foi introduzido no
Brasil, como já descrito, pelos britânicos (mais até escoceses do que
ingleses). Complementarmente, o perfil dos imigrantes no Rio e em São Paulo era
distinto. O Rio de Janeiro era a capital federal desde 1808, a maioria dos
imigrantes europeus que viviam na cidade (e importante que se diga, eram
minoria) eram aristocratas, descendentes de corpos diplomáticos e representações
de governo de outros países. Já em São Paulo, o perfil do imigrante (bem menos
minoria do que no Rio) eram de trabalhadores “chão de fábrica”, que haviam sido
trazidos ao Brasil para ser uma mão de obra livre na nascente indústria que
crescia em torno do capital da cafeicultura.
Dada esta diferença, o convívio
social daqueles que introduziram o futebol em terras brasileiras era mais
seletivo nos jovens praticantes da aristocracia carioca, e menos seletivo entre
os jovens praticantes paulistanos. Em nada muda a verdade de que o futebol era
um esporte elitizado quando chegou e começou a ser jogado no Brasil, e que sim
a presença de não-brancos era raríssima. E isto reforça ainda mais a
importância de Fried, o craque mestiço, para o futebol do país.
São amplamente divulgadas as
histórias da difícil aceitação de negros no futebol do Rio de Janeiro. É fato
que o primeiro clube a aceitar negros foi o Vasco da Gama, no começo dos anos
de 1920. E fato também que os primeiros negros e mulatos que defenderam o Fluminense
tinham suas caras maquiadas com pó-de-arroz para embranquecer sua pele. Mas
ainda assim, ainda que sob relações conturbadas e com preconceito, o Brasil
desta época não rechaçava totalmente sua característica mestiça. Embora sempre
tenham havido vozes preconceituosas defendendo mais imigração para aumentar o
embranquecimento da pele do povo, este processo no Brasil esteve longe de ter o
radicalismo que teve na Argentina, onde o preconceito era mais amplamente
difundido, ainda que por lá o percentual de escravidão de negros na economia
colonial do país fosse ínfimo se comparado ao da economia colonial brasileira.
Um fato marcante e muito pouco
difundido da preocupação do Brasil de não esconder sua mestiçagem: em maio de
1917, o Flamengo realizou o primeiro jogo internacional de sua história, contra
o Barracas, da Argentina. Nesta partida, o time rubro-negro jogou reforçado por
Fried, convidado para fortalecer o time diante dos argentinos, e que vestiu a
camisa do clube carioca apenas nesta apresentação. O negro ainda não era aceito
no futebol nesta época, que ainda era uma prática segregacionista; porém o
Príncipe Mestiço era uma espécie de aperitivo para a derrubada deste tabu.
Arthur Friedenreich
Carreira: 1909-1911 Germânia
(SP), 1912 Mackenzie (SP), 1913-1915 Ypiranga (SP), 1915-1916 Payssandu (SP),
1917-1929 Paulistano (SP), 1930-1933 Dois de Julho (SP), 1933 São Paulo, 1934
Santos e 1935 Flamengo.
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