domingo, 29 de dezembro de 2013

Brasil: um país entre o milagre e o caos

Não é fácil de explicar nem simples de entender os caminhos que levaram o Brasil de uma proeminente economia nos Anos 1970, que experimentara um ritmo de crescimento econômico que assombrara o mundo, a um país completamente quebrado e imerso em crise profunda nos Anos 1980, num atoleiro político-econômico do qual não foram poucos os que duvidaram que ele fosse capaz de sair.

No período entre 1967 e 1976 a economia brasileira cresceu a uma média de 9,5% ao ano, um ritmo que levou a se batizar internacionalmente estes dias como o “milagre brasileiro”. Mas os fatores mudaram, e a teimosia do governo brasileiro em aceitar estas mudanças custou caro. Em 1974 houve a Crise Global do Petróleo, com o preço do barril disparando no mercado internacional. O sinal de alerta já deveria ter sido aceso, mas não foi. O governo do Brasil estava preocupado em manter as altas taxas de crescimento de sua economia, e passou sistematicamente a injetar recursos para manter um expressivo ritmo de expansão via aumento sistemático dos gastos públicos. A aposta era de que a crise internacional seria passageira. Mas não foi.

Em 1979, o Irã endureceu sua relação com o Ocidente, desencadeando a 2ª Crise Global do Petróleo. O preço dos combustíveis disparou em todo o mundo, gerando inflação. Para conter a alta dos preços, Estados Unidos e Europa subiram suas taxas de juros. Aí morava o problema. Todo o modelo do milagre brasileiro havia sido sustentado por um alto nível de endividamento externo, e as dívidas eram indexadas aos juros internacionais; uma vez que EUA e Europa aumentaram a taxa de juros, estas dívidas externas cresceram absurdamente, levando à quebradeira das economias emergentes que tinham alto grau de endividamento. Em 1982, o México decretou moratória, a qual seguiram-se pedidos de moratória de Brasil, Uruguai, Argentina, Chile e Venezuela.

Sob completo descontrole econômico, a situação brasileira entrou numa espiral que levou à hiperinflação. O Brasil conviveu, nos anos 1950 e 1960, com taxas de variação de preços de dois dígitos, girando, entretanto, sempre abaixo dos 20% ao ano. No período entre as duas Crises do Petróleo, os preços estiveram variando entre 40% e 50% ao ano. Em 1980 a taxa de inflação em doze meses atingiu pela primeira vez os três dígitos, e daí para frente não pararam mais de subir, de forma totalmente descontrolada. O governo tentava impedir, mas suas ações não atacavam o coração do problema, pois as medidas que eram necessárias certamente seriam impopulares.

O problema se agravou cada vez mais. Em 1989 a inflação de doze meses atingiu os quatro dígitos, num quadro totalmente hiper-inflacionário. A taxa de variação mensal de preços era de 25% ao mês, e ficou ainda pior, em 1994 chegou ao ápice de 48% ao mês. Isto significa que todos os preços variavam diariamente, ao se sair para trabalhar pela manhã o preço do pão e do café na esquina era um, e ao se voltar do trabalho no fim do dia, o preço já não era mais o mesmo. Era um quadro econômico do mais completo caos. A taxa oficial de inflação do país em 1993 foi de 2.477%. Eram dias nos quais os supermercados viviam hiper-lotados na primeira semana do mês e vazios nos demais dias. As pessoas corriam para fazer as suas compras do mês assim que recebiam seus salários, gerando hiper-lotação, filas enormes e carrinhos de compras cheios de produtos não perecíveis para serem estocados em casa.

Ao tom deste descontrole, a cada plano do governo para tentar conter a sangria no país, mudava-se a moeda em circulação. A história monetária do Brasil é um bom reflexo do quão caótico foram os Anos de 1980 no país. Até 1986, o Brasil só havia convivido com uma mudança expressiva no seu sistema monetário. Até 1942 a moeda brasileira era o real, cujo plural era usado nas ruas, os “réis”. Popularmente, a medição monetária nas ruas era em “contos de réis”. Em 1942 a moeda mudou e passou a ser o cruzeiro, e assim foi até 1986, com uma variação apenas entre 1967 e 1970 quando foi chamada de cruzeiro novo.

A partir de 1986, quando o cruzeiro foi substituído pelo cruzado, as mudanças foram constantes. Três anos depois e nova mudança, com a moeda passando a ser o cruzado novo, que existiu só por um ano e foi substituída pelo cruzeiro. Em 1993, o cruzeiro virou cruzeiro real, moeda que em 1994 foi substituída pelo real, com direito a um complexo sistema de conversão válido durante um mês, em que tudo no mercado era tabelado numa unidade real de valor (URV). O Plano Real foi então o esforço definitivo para controlar a inflação e restabelecer o mínimo de ordem no país.

O futebol não escapou da desordem econômica, e um caso em especial é a prova: em 1987 a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) anunciou que não dispunha de recursos para realizar o campeonato nacional daquele ano. Os clubes acabaram se unindo e com apoio financeiro da Rede Globo e da Coca-Cola realizaram o torneio. A política não gostou e os imbróglios judiciais em torno do reconhecimento do campeão nacional de futebol em 1987 não foram resolvidos até os dias de hoje. A Seleção Brasileira, apesar do incômodo com o longo jejum de títulos, que vinha desde a Copa do Mundo de 1970, não sofreu perdas econômicas, mas sentiu o clima de instabilidade política e desordem que assolavam o Brasil.

Instabilidades do entusiasmo de um país jovem, cheio de energia e provido de muita ousadia. A consciência política era frágil, afinal as bases educacionais, por mais que houvessem obtido extraordinário avanço, ainda estavam muito distante de um patamar que pudesse oferecer uma consciência política plena à maioria da população. Não se pode esquecer que, cem anos antes, 85% da população brasileira era analfabeta. Em um século, a proporção se inverteu, com o analfabetismo passando de 85% para 15%. O esforço de oferecer o básico em educação recém estava sendo concluído, sem que se pudesse ainda exigir um nível educacional adequado, qualitativamente, para a maioria. E sem este “padrão adequado”, o nível de conscientização política era frágil, e daí tinha-se a margem de oscilações tão abruptas do milagre ao caos, do caos à ordem.

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