quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O Brasil era um país em ebulição

A principal herança da Corte Portuguesa para o Brasil foi deixar um país colossal, de dimensões continentais. Para se dimensionar o quão colossal, uma visita às estatísticas populacionais do começo do século XXI: o Brasil tinha 11 metrópoles com mais de um milhão e meio de habitantes: São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Brasília, Fortaleza, Belo Horizonte, Manaus, Curitiba, Recife, Porto Alegre e Belém. Nos seus vizinhos do subcontinente, havia 13 cidades com este volume de população: 4 na Colômbia (Bogotá, Medellín, Cali e Barranquilla), 3 na Venezuela (Caracas, Maracaíbo e Valencia), 2 na Argentina (Buenos Aires e Córdoba), 2 no Equador (Quito e Guayaquil), 1 no Peru (Lima) e 1 no Chile (Santiago). A herança deixada pela presença da Corte Portuguesa fez do país a união de vários países em um, cada qual com suas diferenças culturais, sociais, políticas e econômicas; é como se todos os seus vizinhos fossem um só país, já que o Brasil, sozinho, representa 47% do território, 49% da população e 54% da economia da América do Sul. Foi um grande desafio de integração, pois toda esta grandiosidade trazia tanto bônus quanto ônus.

Apenas como referência, nesta mesma época, início do século XXI, em toda a Europa havia apenas 18 metrópoles com mais de um milhão e meio de habitantes, lista na qual apenas Rússia, com Moscou e São Petersburgo, Alemanha, com Berlin e Hamburgo, e Espanha, com Madrid e Barcelona, aparecem com mais de uma cidade; as demais são Istambul (Turquia), Londres (Inglaterra), Atenas (Grécia), Roma (Itália), Paris (França), Kiev (Ucrânia), Minsk (Bielo-Rússia), Bucareste (Romênia), Budapeste (Hungria), Viena (Áustria), Belgrado (Sérvia) e Varsóvia (Polônia). A lista nos dá uma referência deste gigantismo de vários países em um que tem o Brasil.

E este gigante de dimensões continentais estava em ebulição. Na política, em 1954 houve o suicídio do presidente Getúlio Vargas, que disparou um tiro na cabeça no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, depois do escândalo do envolvimento de importantes assessores seus na tentativa de assassinato de membros da oposição.

A eleição em 1955 que elegeu seu sucessor foi disputada por três candidatos com reais chances de serem eleitos: Juscelino Kubitschek (JK), da aliança entre o Partido Social Democrático (PSD) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) - este último que era o partido de Getúlio Vargas -; Juarez Távora, da União Democrática Nacional (UDN), e com apoio do Partido Democrata Cristão e do Partido Liberal, com a curiosidade de que era ele um militar e ex-membro da Intentona Comunista de Luís Carlos Prestes; e o paulista Ademar de Barros, da aliança entre o Partido Social Progressista (PSP) e o Partido Social Trabalhista (PST). Juscelino venceu a eleição com 36% dos votos, contra 30% de Juarez Távora e 26% de Ademar de Barros.

Juscelino chegava ao poder prometendo um choque de progresso ao país, com sua meta de fazer “cinqüenta anos em cinco”. Suas principais bandeiras foram o apoio à nascente indústria automobilística e a construção de Brasília, a nova capital federal, construída no Planalto Central para interiorizar o país, e levantada numa região isolada, a muitos quilômetros de distância de qualquer sinal de civilização. Durante o governo JK, também houve um marco de crescimento das empresas estatais, criadas durante a última passagem de Vargas pela presidência, especialmente a Petrobras, que começou a obter pequenos avanços rumo à produção de petróleo.

No campo da política internacional, o Brasil já vinha construindo um histórico na Organização das Nações Unidas (ONU), desde sua criação, com uma marca diplomática diferenciada, como um articulador de consensos, em prol da constante possibilidade de harmonia, um pregador da justiça do meio-termo. O país já se orgulhara de ter tido o primeiro cardeal latino-americano da Igreja Católica, dom Arcoverde, goiano de nascimento, eleito pelo consistório de Roma em dezembro de 1905. Teve razões para orgulhar-se do gaúcho Oswaldo Aranha, ex-aluno do Colégio Militar do Rio de Janeiro, ex-governador do Rio Grande do Sul, ex-ministro da Justiça, ex-ministro da Fazenda, ex-ministro de Relações Exteriores, e que presidiu, em 1947, a 2ª Assembléia Geral da recém-criada ONU na qual foi criado o Estado de Israel.

Na economia, nas décadas de 1950 e 1960 o Brasil pôs em marcha uma política agressiva de substituição de importações, a qual permitiu uma profunda diversificação da estrutura produtiva do país. Políticas estas que à época eram altamente criticadas pelos movimentos de esquerda, que a denunciavam, não sem razão, como sendo altamente concentradoras de renda; curiosamente pelos mesmos movimentos que trinta anos depois as endeusariam como desenvolvimentistas e como respostas necessárias às forças de concentração de renda do livre mercado. Um movimento pendular na formação do pensamento político nacional, uma nuance de um país jovem e em formação, que, assim como um adolescente, ainda vive de metamorfoses constantes.

Este espírito jovem do Brasil encontraria uma identidade perfeita nos esportes, ainda mais sendo um país tropical, onde faz bastante calor quase o ano inteiro. A prática do esporte, além de contribuir para a saúde e a boa forma das pessoas, proporciona valores morais como disciplina, postura, respeito mútuo, sacrifício, justiça e jogo limpo, ensinando as pessoas a trabalhar em equipe e estimulando a integração social. Tinha tudo em comum com o projeto de país que se buscava. E o esporte começou a dar cada vez mais a dimensão de sucesso que o projeto nacional buscava para o Brasil: Ademar Ferreira da Silva já havia sido Bi-campeão Olímpico do Salto Triplo, conquistando as medalhas de ouro nas Olimpíadas de Helsinque 1952 e Melbourne 1956. O Brasil foi Bi-campeão Mundial de Futebol em 1958 e 1962. A Seleção de Basquete Masculino ganhou o Bi-campeonato Mundial em 1959 e 1963. O Santos, de Pelé, foi Bi-campeão da Taça Libertadores da América e Bi-campeão Mundial de clubes em 1962 e 1963. Nas quadras de tênis, Maria Esther Bueno venceu quatro vezes o US Open (1959, 1963, 1964 e 1966) e três vezes o Torneio de Wimbledon (1959, 1960 e 1964). Nos ringues, Éder Jofre foi o detentor do título mundial do peso galo da Associação Mundial de Boxe entre novembro de 1960 e maio de 1965. O Brasil parecia já ter superado seu complexo de inferioridade.

O futebol era cada vez mais a paixão popular do Brasil. E isto seria bastante útil num país que desde sua Independência vivia envolto na construção de um federalismo que superasse os interesses divergentes das unidades federativas, cada uma social e culturalmente muito distinta uma da outra. Após a Proclamação da República tratou-se de usar o Rio de Janeiro como símbolo cultural de construção da sinergia nacional; sairiam do Rio as vertentes culturais que buscariam unificar o país: o maxixe, o samba, a bossa nova. E optou-se por um simbolismo de gigantismo que proporcionaria os vértices de ordem e progresso para todo o país. O Rio abrigaria os símbolos “maiores do mundo” construídos na primeira metade do século XX, como o próprio Maracanã, o Cristo Redentor, o Pão de Açúcar, símbolos que mostrariam, interna e externamente, que o Brasil queria ser grande. Após a conquista da Taça do Mundo, a Seleção Brasileira de futebol passará a ocupar este papel de principal vetor de aglutinação nacional, como o símbolo da identidade nacional que se buscava forjar.

Em 1960, houve mais tumulto na vida política nacional. A eleição foi vencida pelo paulista Jânio Quadros, da aliança entre o Partido Trabalhista Nacional (PTN) e a UDN, e com apoio de democrata-cristãos e liberais. Jânio teve 48% dos votos, contra 33% do marechal Henrique Lott, da aliança PSD – PTB, que elegera JK na eleição anterior. Ademar de Barros teve 18%. Só que em 1961, pouco depois de assumir, numa estratégia política confusa e nada pragmática, Jânio renunciou à Presidência da República. Assumiu então em seu lugar o vice, João Goulart, o Jango, do PTB, que à época da renúncia estava em visita à China comunista, de Mao Tse-Tung. Sua inclinação política era clara, tanto que o levou a aproximar-se diplomaticamente do guerrilheiro Che Guevara, braço direito de Fidel Castro na Revolução Cubana.

O Brasil viveu então uma completa ebulição política nos anos subsequentes, a confusão era enorme. Militares mostravam claro descontentamento com a ameaça comunista por trás de Jango. Em plena Guerra Fria, com um mundo bi-polarizado entre Estados Unidos e União Soviética, e com os norte-americanos já tendo tomado um duro golpe estratégico em Cuba, havia óbvios interesses internacionais por trás desta “ameaça” em torno de João Goulart. Uma primeira tentativa não intervencionista de acalmar os ânimos foi através da criação de um Regime Parlamentarista no Brasil entre 1962 e 63, com o político mineiro Tancredo Neves sendo o Primeiro-Ministro. Mas em 1963 um plebiscito popular reinstalou o presidencialismo, com Jango voltando a ter plenos poderes políticos. As ruas foram tomadas por manifestações de massa com apoio tanto aos pensamentos de direita (capitalismo e cristianismo) quanto aos de esquerda (socialismo comunista e ateísmo). O Brasil estava em polvorosa.

Todos estes fatores convergiram para que em 31 de março de 1964 se desse um Golpe Militar, iniciado nos quartéis de Belo Horizonte, Minas Gerais, e que logo se espalhou para todas as capitais. Iniciava-se a Ditadura Militar no Brasil, que duraria até 1985.

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