A Seleção Brasileira voltou a disputar um Campeonato Sul-Americano depois de 12 anos de ausência, desde a invasão de campo e as agressões sofridas por seus jogadores no confronto contra a Argentina em 1925 em Buenos Aires, no jogo que valia o título. E voltou justamente numa outra edição do torneio a ser disputada na capital argentina, e cujo final foi uma repetição do que havia ocorrido doze anos antes. A competição foi, pela primeira vez, um hexagonal, disputado entre Argentina, Brasil, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai, apenas com a ausência da Bolívia entre aqueles que eram os 7 membros da Confederação Sul-Americana naquele momento.
A seleção que jogou a competição tinha uma base titular predominantemente paulista, com 7 dos 11 titulares jogando por clubes da cidade de São Paulo. E o elenco voltou a ter jogadores de fora do eixo Rio-São Paulo, tendo sido chamados dois centroavantes, um do Rio Grande do Sul e outro de Minas Gerais: Cardeal, do time de Farroupilha, e Niginho, do Palestra Itália de Belo Horizonte.
Na estreia, o futebol do Brasil enfrentou ao Peru pela primeira vez em sua história, e obteve uma vitória apertada, por 3 a 2. O segundo confronto foi contra o Chile, a quem a Seleção Brasileira não enfrentava havia 15 anos, e para quem nunca havia perdido, tendo entre 1916 e 1922 jogado contra por 5 vezes, com 3 vitórias e 2 empates. Curiosamente, nesta partida a Seleção Brasileira jogou utilizando a camisa do Boca Juniors, dado que as duas seleções se apresentaram para a partida com uniforme branco. Foi um jogo muito disputado, com uma vitória suada por 6 a 4. Nas duas primeiras rodadas, o ataque estava funcionando, havia marcado nove gols, mas a defesa estava muito exposta, tendo levado seis gols.
O terceiro encontro foi contra o Paraguai, a quem também não enfrentava havia 12 anos, mas contra quem tinha retrospecto bem favorável: entre 1921 e 1925 tinha havido 8 confrontos, com a seleção obtendo 6 vitórias, 1 empate e tendo sofrido 1 derrota. A Seleção Brasileira enfim se encontrou, goleando inapelavelmente por 5 a 0, e ganhando moral para os dois duelos decisivos nas duas últimas rodadas.
O Uruguai já estava praticamente fora da disputa ao ter tropeçado com derrotas para Paraguai e Chile. Mas no duelo contra o Brasil estiveram duas vezes a frente no marcador, com um 1-0 e um 2-1 a seu favor, mas a Seleção Brasileira conseguiu uma grande virada nos 18 minutos finais, vencendo por 3 a 2 e chegando sem tropeços para o duelo na última rodada contra a Argentina.
Mesmo já sem chances de título, os uruguaios ainda aprontaram para cima dos anfitriões: na penúltima rodada, a Argentina perdeu para o Uruguai por 3 a 2, num jogo no qual chegou a estar perdendo por 3 x 0. Como o Brasil tinha vencido todos os seus confrontos, na última rodada a Seleção Brasileira precisava somente de um empate contra os donos da casa para se sagrar a campeã.
Não é necessário dizer o ambiente de pressão que o time brasileiro enfrentou, afinal os argentinos não estavam dispostos a perder o título jogando como mandantes. A Argentina acabou conseguindo um gol no início do 2º tempo, e este tento lhe deu a vitória por 1 a 0 que levou a disputa para um jogo desempate.
E neste jogo desempate, aconteceu de novo o que havia ocorrido no jogo decisivo de 1925. Segundo relato da revista argentina El Gráfico sobre aquela partida: "Foram produzidas todas as incidências imagináveis, desde encontrões mais ou menos fortes até tumultos indescritíveis. Houve suspensões, abandonos, lesionados e agressões".
O jogo se arrastava num empate sem gols e se aproximava do fim. A confusão se iniciou aos 35 minutos do 2º tempo, quando Afonsinho fez falta dura em Varallo, que ao se levantar, deferiu dois chutes no jogador brasileiro, ação que deflagrou uma confusão generalizada, com vários jogadores trocando agressões e havendo invasões de campo. A partida ficou paralisada por meia hora, até o árbitro entender que havia condições emocionais para que fosse reiniciada. Não havia. Assim que o jogo recomeçou, Cherro fez falta duríssima em Roberto, e uma nova batalha campal se iniciou. Porém, desta vez a confusão foi contida mais rápido e o jogo não ficou tanto tempo parado. Restabelecida a ordem, o tempo normal terminou num empate sem gols, com a partida seguindo para ser decidida na prorrogação.
No tempo extra, o herói argentino foi um garoto de apenas 19 anos: De La Mata. Porém, segundo o relato do jornalista Thomaz Mazzoni para o jornal brasileiro A Gazeta Esportiva: "O juiz, inicialmente coagido, prejudicou (à Seleção Brasileira). Os dois tentos foram cedidos a custo, arrancados pela violência. O segundo, impedido". O primeiro gol saiu após cruzamento de "El Chueco" Garcia, que na indecisão nem Jaú nem Jurandir procuraram cortar, encontrando De La Mata para bater cruzado e colocar a bola dentro do gol. No segundo, Peucelle cruzou e o jovem atacante escorou para o gol, para protesto da defesa brasileira, que pedia que fosse assinalado impedimento. Argentina 2 a 0, pela 5ª vez a Campeã Sul-Americana, aproximando-se do Uruguai, que tinha 7 títulos até então.
Na volta ao país, segundo os relatos da delegação brasileira, os jogadores foram agredidos dentro de campo por adversários, torcedores que invadiram o gramado e também por policiais argentinos, tendo tentado abandonar o campo, mas encontrando os acessos aos vestiários do estádio do San Lorenzo trancados. A repetição do mesmo filme que havia acontecido 12 anos antes e levado a Confederação Brasileira a romper com a Confederação Sul-Americana.
Patesko
JOGOS NO ANO:
27/12/1936 - BRASIL 3 x 2 PERU
Campeonato Sul-Americano - Estádio El Gasometro, Buenos Aires, Argentina
Gols: Roberto (7'1T), Afonsinho (30'1T), Lolo Fernández (10'2T), Niginho (12'2T) e Villanueva (13'2T)
Brasil: Rei (Vasco), Carnera (Palestra Itália/SP) e Jaú (Corinthians); Tunga (Palestra Itália/SP), Brandão (Corinthians) e Afonsinho (São Cristóvão); Roberto (São Cristóvão), Baía (Madureira), Niginho (Palestra Itália/MG), Tim (Portuguesa Santista) e Patesko (Botafogo).
Téc: Adhemar Pimenta
Peru: Juan Valdivieso (Alianza Lima), Alberto Soria (Alianza Lima) e Arturo Fernández (Universitário); Carlos Tovar (Universitário), Vicente Arce (Universitário) e Orestes Jordán (Universitário) (Segundo Castillo (Sport Boys)); José María Lavalle (Alianza Lima), Adelfo Magallanes (Alianza Lima) (Jorge Alcade (Sport Boys)), Alejandro Villanueva (Alianza Lima) (Andrés Álvarez (Sport Boys)), Teodoro "Lolo" Fernández (Universitário) e José Morales (Alianza Lima).
Téc: Alberto Denegri
03/01/1937 - BRASIL 6 x 4 CHILE
Campeonato Sul-Americano - Estadio Alvear y Tagle, Buenos Aires, Argentina
Gols: Patesko (2'1T), Carvalho Leite (6'1T), Avendaño (19'1T), Toro (25'1T), Patesko (26'1T), Luisinho Mesquita (35'1T) e (40'1T), Riveros (41'1T), Roberto (23'2T) e Toro (28'2T)
Brasil: Jurandir (Palestra Itália/SP), Jaú (Corinthians) e Nariz (Botafogo); Tunga (Palestra Itália/SP), Brandão (Corinthians) e Canalli (Botafogo) (Afonsinho (São Cristóvão)); Roberto (São Cristóvão), Luisinho Mesquita (Palestra Itália/SP), Carvalho Leite (Botafogo) (Niginho (Palestra Itália/MG)), Tim (Portuguesa Santista) e Patesko (Botafogo).
Téc: Adhemar Pimenta
Chile: Luis Cabrera (Audax Italiano) (Eugenio Soto (Magallanes)), Jorge Córdova (Magallanes) (Mario Baeza (Magallanes)) e Ascanio Cortés (Audax Italiano); Eduardo Schneberger (Colo Colo), Guillermo Riveros (Audax Italiano) e Juan Montero (Colo Colo); Tomás Ojeda (Audax Italiano), José Avendaño (Magallanes), Raúl Toro (Santiago Wanderers), Arturo Carmona (Magallanes) e Guillermo Torres (Santiago Wanderers).
Téc: Pedro Mazzulo
13/01/1937 - BRASIL 5 x 0 PARAGUAI
Campeonato Sul-Americano - Estádio El Gasometro, Buenos Aires, Argentina
Gols: Patesko (31'1T), Luisinho Mesquita (42'1T) e (6'2T), Carvalho Leite (14'2T) e Patesko (22'2T)
Brasil: Jurandir (Palestra Itália/SP) (Rei (Vasco)), Jaú (Corinthians) e Nariz (Botafogo); Tunga (Palestra Itália/SP), Brandão (Corinthians) e Afonsinho (São Cristóvão) (Brito (Corinthians)); Roberto (São Cristóvão), Luisinho Mesquita (Palestra Itália/SP), Carvalho Leite (Botafogo) (Niginho (Palestra Itália/MG)), Tim (Portuguesa Santista) e Patesko (Botafogo).
Téc: Adhemar Pimenta
Paraguai: Manuel González, Antonio Invernizzi (Libertad) e Quiterio Olmedo (Nacional); Juan Félix Lezcano (Olimpia), Miguel Ortega (Libertad) e Francisco Aguirre (Olimpia); Adolfo Erico (Alberto Vera), Aurelio González (Olimpia), Marcial Barrios (Olimpia), Flaminio Silva (Olimpia) (Amadeo Ortega (River Plate)) e Martín Flor (Cerro Porteño).
Téc: Manuel Fleitas Solich
19/01/1937 - BRASIL 3 x 2 URUGUAI
Campeonato Sul-Americano - Estádio El Gasometro, Buenos Aires, Argentina
Gols: Villadóniga (1'1T), Carvalho Leite (36'1T), Piriz (21'2T), Baía (27'2T) e Niginho (32'2T)
Brasil: Jurandir (Palestra Itália/SP), Carnera (Palestra Itália/SP) e Jaú (Corinthians); Tunga (Palestra Itália/SP), Brandão (Corinthians) (Zarzur (Vasco)) e Afonsinho (São Cristóvão); Roberto (São Cristóvão), Luisinho Mesquita (Palestra Itália/SP) (Baía (Madureira)), Carvalho Leite (Botafogo) (Niginho (Palestra Itália/MG)), Tim (Portuguesa Santista) e Patesko (Botafogo).
Téc: Adhemar Pimenta
Uruguai: Enrique Ballesteros (Peñarol), Avelino Cadilla (River Plate) e Agenor Muñiz (Montevideo Wanderers); Rodolfo Carreras (Central Español), Eugenio Galvalisi (Rampla Juniors) e Carlos Martínez (Rampla Juniors); José Pedro Roselli (Sud América), Severino Varela (Peñarol), Eduardo Ithurbide (Nacional) (Braulio Castro (Peñarol)), Segundo Villadoniga (Peñarol) e Adelaido Camaiti (Peñarol) (Juan Emilio Piriz (Defensor Sporting)).
Téc: Alberto Suppicci
30/01/1937 - BRASIL 0 x 1 ARGENTINA
Campeonato Sul-Americano - Estádio El Gasometro, Buenos Aires, Argentina
Gol: Enrique García (3'2T)
Brasil: Jurandir (Palestra Itália/SP), Jaú (Corinthians) e Nariz (Botafogo); Tunga (Palestra Itália/SP) (Brito (Corinthians)), Brandão (Corinthians) e Afonsinho (São Cristóvão); Roberto (São Cristóvão), Baía (Madureira) (Luisinho Mesquita (Palestra Itália/SP)), Niginho (Palestra Itália/MG) (Cardeal (9º Regimento de Farroupilha/RS)), Tim (Portuguesa Santista) e Patesko (Botafogo).
Téc: Adhemar Pimenta
Argentina: Fernando Bello (Independiente), Oscar Tarrío (San Lorenzo) e Juan Carlos Iribarren (Chacarita Juniors) (Luis Fazio (Independiente)); Antonio Sastre (Independiente), José María Minella (River Plate) (Ernesto Lazzatti (Boca Juniors)) e Celestino Martínez (Independiente); Enrico Guaitá (Racing), Francisco Varallo (Boca Juniors), Alberto Zozaya (Estudiantes), Alejandro Scopelli (Racing) (Roberto Cherro (Boca Juniors)) e Enrique García (Racing).
Téc: Manuel Seoane
01/02/1937 - BRASIL 0 x 2 ARGENTINA
Campeonato Sul-Americano - Estádio El Gasometro, Buenos Aires, Argentina
Gols: De La Mata (12'1T Prorrogação) e (7'2T Prorrogação)
Brasil: Jurandir (Palestra Itália/SP), Carnera (Palestra Itália/SP) e Jaú (Corinthians); Brito (Corinthians), Brandão (Corinthians) e Afonsinho (São Cristóvão); Roberto (São Cristóvão) (Carreiro (São Cristóvão)), Luisinho Mesquita (Palestra Itália/SP) (Baía (Madureira)), Cardeal (9º Regimento de Farroupilha/RS) (Carvalho Leite (Botafogo)), Tim (Portuguesa Santista) e Patesko (Botafogo).
Téc: Adhemar Pimenta
Argentina: Fernando Bello (Independiente), Oscar Tarrío (San Lorenzo) e Luis Fazio (Independiente); Antonio Sastre (Independiente), Ernesto Lazzatti (Boca Juniors) e Celestino Martínez (Independiente); Enrico Guaitá (Racing), Francisco Varallo (Boca Juniors) (Vicente De La Mata (Independiente)), Alberto Zozaya (Estudiantes) (Bernabé Ferreyra (River Plate)), Roberto Cherro (Boca Juniors) (Carlos Peucelle (River Plate)) e Enrique García (Racing).
Téc: Manuel Seoane
RESUMO:
Seleção Brasileira de 1937:
Jurandir (Palestra Itália/SP), Carnera (Palestra Itália/SP) e Jaú (Corinthians); Tunga (Palestra Itália/SP), Brandão (Corinthians) e Afonsinho (São Cristóvão/RJ); Roberto (São Cristóvão/RJ), Luisinho Mesquita (Palestra Itália/SP), Carvalho Leite (Botafogo) (Niginho (Palestra Itália/MG)), Tim (Portuguesa Santista/SP) e Patesko (Botafogo).
Artilharia: Luisinho Mesquita (4), Patesko (4), Carvalho Leite (3), Niginho (2), Roberto (2), Afonsinho (1) e Baía (1)
Participação:
6 jogos: Jaú, Brandão, Afonsinho, Roberto, Tim e Patesko
5 jogos: Jurandir, Tunga, Luisinho Mesquita e Niginho
4 jogos: Carvalho Leite e Baía
3 jogos: Carnera, Nariz e Brito
2 jogos: Rei e Cardeal
1 jogo: Heitor Canalli, Zarzur e Carreiro
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