domingo, 4 de novembro de 2018

EVARISTO: um marco na história do futebol espanhol

Evaristo de Macedo é um dos artilheiros com maior história no futebol brasileiro. Ele foi o precursor de um caminho que muitas décadas depois seria seguido por Ronaldo Nazário, o fenômeno: ser ídolo e artilheiro no Barcelona e no Real Madrid. Cheio de recordes e títulos na carreira, Evaristo tem o seu momento mais marcante pelo Barcelona em um jogo de Copa dos Campeões, em uma época que o rival branco era completamente dominante. Foi como protagonista da primeira eliminação do então pentacampeão europeu que Evaristo escreveu um dos mais belos capítulos da história do clássico.

A chegada de Evaristo de Macedo ao Barcelona aconteceu em 1957, em uma época que as transferências para a Europa eram muito mais raras que atualmente. Se no Século XXI jogar no exterior em um clube como Barcelona ou Real Madrid é ficar ainda mais perto da Seleção Brasileira, na sua época era o contrário. Quem ia jogar na Europa, praticamente estava decidir abandonar a camisa da Seleção Brasileira. Evaristo era parte da seleção até 1957, mas ao se transferir, acabou esquecido, como era comum acontecer. Mas o atacante, conhecido pela sua habilidade, marcou época jogando tanto pelo Barcelona quanto pelo Real Madrid, anos depois.

Tejada, Kubala, Evaristo, Luis Suárez e Czibor

Faltavam meses para o Campeonato do Mundo de 1958, quando, em Barcelona, recebeu um telefonema, a convocá-lo para um estágio da seleção. O clube não o libertou (a Espanha não se apurara para a prova e o campeonato seguia sem limitações) e o futebolista ouviu, do outro lado da linha, o lamento do secretário técnico Carlos Nascimento: “Puxa, rapaz, que pena! O Vicente Feola estava ansioso para vê-lo jogar ao lado de um neguinho bom de bola que surgiu lá no Santos”. Ele continuou sua vida em Barcelona, do outro lado do Atlântico, sem saber quem era o tal neguinho chamado Pelé, que sempre guardou a frustração de não ter jogado em 1958 ao lado de Garrincha, Pelé e Didi, que deram ao Brasil o seu primeiro título mundial. Evaristo só fez 14 jogos e marcou 8 gols pela Seleção Brasileira. Ainda mantém o recorde de maior número de gols num jogo da Seleção Brasileira: cinco, num 9 x 0 do Brasil sobre a Colômbia. Depois, não voltou mais a vestir a camisa da seleção canarinha.

Até hoje Evaristo carrega um outro recorde: é o brasileiro com mais gols na história do Barcelona, que já teve tantos nomes importantes, como Romário, Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho, além de Neymar, o mais recente da linha de craques brasileiros a defender o clube "blaugrana". Foram 178 gols em 226 jogos com a camisa azul e grená do Barcelona.

Evaristo foi o primeiro a marcar três gols em um só jogo no Camp Nou, que foi inaugurado no dia 27 de setembro de 1957. Foi no dia 9 de março de 1958 que Evaristo conseguiu escrever o seu nome na história do estádio com três gols marcados contra o Valladolid, em uma vitória por 7 a 1. Foi de Evaristo também a marca de ser o primeiro a marcar três gols no clássico entre Barcelona e Real Madrid. No dia 26 de outubro de 1958, no Camp Nou, Evaristo foi o protagonista de um 4 a 0 sobre o Real Madrid.

Kubala - Evaristo - Suárez

No Barcelona, Evaristo enfileirou títulos. Foi campeão da Copa das Feiras em 1957/58 e 1958-60, a da Copa do Rei em 1958/59 e o ganhou o Campeonato Espanhol em 1959 e 1960. Mesmo assim, aquele era o período de ouro do rival Real Madrid, que conquistou os cinco primeiros títulos da Copa dos Campeões da Europa (1955/56 até 1959/60). Por isso, mesmo sendo bicampeão espanhol e tendo em seu elenco jogadores do mais alto nível, o Barcelona era visto como um clube menor e mais fraco que o Real Madrid.

A temporada de 1960/61 deu uma oportunidade única ao time "blaugrana": eliminar o todo poderoso pentacampeão e rival local. O Real Madrid jogava a Copa dos Campeões como detentor do título. Já o Barcelona era o representante espanhol, campeão da liga nas duas temporadas anteriores. Aliás, na temporada 1959/60, o Barcelona foi adversário do Real Madrid na semi-final da Copa dos Campeões, no primeiro confronto entre ambos por um torneio da Europa. O Real Madrid mostrou a sua força ao vencer o rival catalão, então comandado pelo argentino Helenio Herrera. Os merengues venceram os dois jogos pelo mesmo placar, 3 a 1, varrendo o time da competição e caminhando rumo ao seu quinto título – que seria vencido em cima do Eintracht Frankfurt, em Glasgow.

Aquela temporada 1960/61 era, então, a oportunidade de uma revanche. E desta vez, o Barcelona, de Evaristo de Macedo, não perderia a chance. Sob o comando do técnico iugoslavo Ljubisa Brocic, o time que tinha em seu elenco um ataque também estelar, conseguiu a sua primeira vantagem ao quebrar a sequência de vitórias do rival Real Madrid no Santiago Bernabéu. Até ali, o time branco tinha vencido todos os 15 jogos de Copa dos Campeões que disputou em seu estádio. Naquele dia, 9 de novembro de 1960, o Barcelona arrancou um empate. Depois de sair atrás no placar, graças a um gol de Mateos, logo a um minuto de jogo, o Barcelona chegou ao empate, em uma cobrança de falta do espanhol Luis Suárez. Aos 33, Gento colocou o Real Madrid novamente na frente. O gol de empate veio de forma dramática, no final do jogo. Evaristo lançou Kocsis, que entrou na área e foi derrubado. Luis Suárez cobrou com categoria para marcar, aos 43 minutos, e igualar o marcador. Pela primeira vez em uma Copa dos Campeões, o Real Madrid não vencia seu adversário em casa. Mas ainda era preciso jogar a partida de volta.

E no segundo jogo, Evaristo chegou a abrir o placar, mas o gol foi anulado por impedimento. O Real Madrid também teve um gol anulado, mas por mão na bola de Del Sol, em um passe do brasileiro Canário. O Barcelona finalmente abriu o placar aos 33 minutos, quando Verges chutou, o goleiro Vicente defendeu, mas a bola bateu no defensor Pachin e entrou. Outros dois gols do Real Madrid ainda foram anulados, de Pachin, que foi jogar no ataque depois de se machucar (e naquela época não eram permitidas substituições) e Di Stefano, ambos por impedimento.

Foi então que veio o gol mais importante da carreira de Evaristo de Macedo no Barcelona. Em um escanteio, o atacante deu um belo peixinho, aos 36 minutos do segundo tempo, e marcou, colocando os blaugranas com 2 a 0 no placar. Canário ainda descontaria, aos 42 minutos, mas era tarde. O Barcelona impunha uma derrota significativa ao rival, graças ao gol de Evaristo de Macedo. O time finalmente vencia o rival também em competições internacionais. “Eu lembro daquele gol muito bem. Eu tenho uma foto em casa”, contou Evaristo ao site do Barcelona.



Evaristo foi pioneiro, sendo um dos primeiros futebolistas profissionais a trocar o Barcelona pelo Real Madrid (ou vice-versa). Tudo porque recusou naturalizar-se espanhol (abrindo mais uma vaga para um estrangeiro, como desejava a direção catalã) e, em final de contrato, saiu para Madrid. “A torcida não ficou brava comigo, não houve nenhum tipo de polêmica. Acho, inclusive, que eles ficaram mais chateados com a diretoria por me ter deixado ir embora”, recordou, anos depois, mesmo lembrando que no regresso a Camp Nou, com a camisa merengue, não se livrou de uma amarga recepção: “Os fãs do Barcelona assobiaram-me logo no início, mas depois acalmaram-se”.

Evaristo acabaria assinando pelo Real Madrid na temporada 1962/63. Nos merengues, porém, ele teve problemas sérios com lesões e conseguiu jogar pouco. Foram 19 jogos e seis gols marcados, antes de deixar a Espanha e voltar ao Flamengo. Tendo vivido os dois lados, Evaristo comentou a sua impressão sobre o clássico: “É uma rivalidade política, quanto a isso nunca tive dúvida. É o jogo entre o ‘Estado da Catalunha’ e o ‘Estado de Castela’, algo que transcende a esfera esportiva. Os catalães são muito ressentidos pela perda de liberdade que eles tiveram no franquismo, a Guerra Civil… por isso sempre era um clima que ia além das outras rivalidades esportivas que vivenciei”, disse Evaristo em entrevista ao jornal Estado de São Paulo em 2012.

Na capital espanhola, o brasileiro foi tri-campeão, mesmo ficando longe dos números da Catalunha: fez 15 gols em 17 jogos – pois, já trintão, começava a ser importunado por lesões, que impediram uma utilização mais regular. E viu, pela primeira vez, alguém emular o seu hat trick estrangeiro no clássico: Puskas fê-lo por duas vezes (em 1962 e 1963). Passaram-se décadas e décadas – e pouco mais estrangeiros tiveram tal honra. Só Gary Lineker, Michel, Valdano, Hugo Sánchez e Butragueño (num 3-2 do Barça, em 1987), Romário pelo dream team de Johan Cruyff (5-0 catalão, em 1994), Zamorano, no estertor do dream team (5-0 do Real, um ano depois) e, claro, Lionel Messi num emocionante empate (3-3 em 2007) igualaram tal feito.

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