quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

FALCÃO: futebol elegante e inteligente, o Rei de Roma

Falcão foi um volante inovador para o padrão brasileiro de camisas 5 e depois mostrou-se à frente de seu tempo também para o futebol internacional. Só foi para a Roma porque queria tornar-se o melhor jogador do mundo e, para isto, teria de jogar em campos europeus. Na capital italiana, ganharia apenas 40% a mais do que recebia em Porto Alegre, jogando pelo Internacional. Mas era onde seu sonho podia se tornar realidade - e, para isso, contou o incentivo da mãe: "vá conquistar o mundo".


Nascido na pequena Abelardo Luz em 1953, Falcão mudou-se para Canoas aos dois anos. Filho de uma costureira e um motorista, sempre gostou de futebol, uma das poucas diversões possíveis para a família tão pobre. Pelo sonho de se tornar jogador, vendia garrafas para comprar o dinheiro da passagem que o levava aos treinamentos do Internacional de Porto Alegre, no qual chegou aos 11 anos. Depois do desastre com a Seleção Brasileira Olímpica em Munique 1972, o primeiro grande sucesso do jovem foi em 1974, quando guiou os juniores do Colorado ao título da Copa São Paulo Sub-20, batendo a Ponte Preta na final.

Antes mesmo disso, já era conhecido pela torcida, graças ao bom futebol demostrado na equipe profissional. Não demorou para que chegasse ao time principal, muito menos para assumir uma vaga no time titular: profissionalizado por Dino Sani, estreou ganhando o Campeonato Gaúcho de 1973 e foi fundamental no tetracampeonato que marcou a superioridade do Inter em solo rio-grandense naquela época. Um jogador inteligente, que jogava de cabeça erguida, tinha um bom passe, acertava ótimos cruzamentos, marcava bem e antecipava-se com facilidade a várias jogadas. Se não era o mais rápido de seus companheiros, pelo menos se mostrava em campo um dos mais velozes.

Por 1 milhão e meio de dólares, em 1980 a Roma de Dino Viola levou Paulo Roberto Falcão para tentar materializar o sonho do segundo scudetto da história de um clube de torcida apaixonada que não vencia a Série A desde 1942. Quando partiu, já era o melhor jogador no país, com três Campeonatos Brasileiros no currículo e as últimas duas Bolas de Ouro, premiação da revista Placar para o melhor jogador do campeonato. Mesmo assim, não chegou com tanta pompa em Fiumicino, o aeroporto da capital italiana. A torcida esperava nomes mais "quentes", já que nos meses anteriores havia se especulado as contratações de Zico e Rivellino. Mas Falcão não demorou a se tornar o maior estrangeiro da história do clube.


O craque chegou a Roma logo depois de ter disputado (e perdido) a final da Copa Libertadores da América daquele ano contra o Nacional, do Uruguai. Ele seria o primeiro de muitos outros jogadores brasileiros que brilhariam na Itália naquela década a exemplo de Júnior, Zico e Toninho Cerezo. Estreou num amistoso contra seu Internacional e contribuiu para o empate em 2 a 2. A partir daí, foram 22 gols em 107 partidas. Em sua primeira temporada, venceu uma Copa Itália. Em 1983, conquistou o scudetto que o colocaria para sempre no coração dos torcedores romanistas, apesar das polêmicas no ano seguinte, com a final da Liga dos Campeões perdida em casa. Na ocasião, Falcão recusou-se a cobrar um dos pênaltis e o Liverpool sagrou-se campeão após um erro de Graziani.

Na temporada 1980-1981, a Roma já impunha mais respeito no país com a liderança de Falcão no meio de campo. Com sua classe, habilidade e apoio ao ataque, o craque brasileiro virou um ídolo instantâneo na equipe e ganharia rapidamente o apelido de “Rei de Roma”. O time tinha como grande objetivo naquela temporada o título do Campeonato Italiano, mas esse objetivo foi por água abaixo por conta de uma arbitragem polêmica e desastrosa na reta final do torneio. No clássico contra a Juventus, na antipenúltima rodada, as equipes empatavam sem gols quando o zagueiro romano Turone marcou um gol que daria a vitória e a liderança isolada à equipe da capital. Porém, o árbitro da partida anulou o tento por ver impedimento no lance, o que na verdade não ocorreu. A atitude revoltou demais os jogadores romanos, que viram a Juventus ser beneficiada, vencer seus dois jogos seguintes, e faturar o título com dois pontos a mais que a Roma. A perda do caneco doeu demais na Roma, que foi a equipe que menos perdeu naquele ano (três derrotas). O fato “ajudou”, também, a acentuar ainda mais a rivalidade entre as duas equipes nos anos seguintes.

Na temporada 1981-1982 a Roma passou em branco e não conquistou nenhum título. A equipe foi eliminada pela Internazionale nas quartas de final da Copa da Itália após vencer o primeiro jogo por 4 a 1 e levar 3 a 0 no jogo de volta, ficando de fora por conta do gol marcado pela Inter na primeira partida. No Campeonato Italiano, o Scudetto ficou novamente com a Juventus, que pôde colocar a segunda estrela acima de seu escudo, por celebrar o vigésimo título nacional (na Itália, a cada 10 títulos nacionais, os clubes têm direito a ostentar uma estrela na camisa). As derrotas, porém, serviram de experiência para a Roma se concentrar na temporada mágica que se iniciaria muito em breve.

Falcão sob a marcação de Baresi, do Milan

O técnico sueco Nils Liedholm tinha em mãos um timaço na temporada 1982-1983. A zaga era forte e tinha nomes como Tancredi, Nela e Righetti, o meio de campo era impecável com Falcão, Di Bartolomei, Ancelotti e Cerezo e o ataque com o matador Pruzzo e com o habilidoso ponta esquerda Bruno Conti. Com essas estrelas, a Roma não deu moleza e partiu com tudo em busca do Scudetto. O time foi derrotando os rivais, empatando quando podia e perdendo muito pouco (foram apenas três derrotas), conquistando o sonhado título na penúltima rodada, no empate em 1 a 1 com a Genoa. O time terminou o torneio com 43 pontos, quatro a mais que a Juventus, e 16 vitórias, 11 empates e 3 derrotas em 30 partidas (vale lembrar que na época as vitórias valiam dois pontos, e não três como hoje). O time marcou 47 gols e sofreu 24, tendo o segundo melhor ataque e a segunda melhor defesa. A festa foi tremenda em Roma e imortalizou de vez os jogadores do time. Enfim, depois de 41 anos, a Cidade Eterna podia vibrar com o título italiano, e, enfim, a Roma poderia disputar uma Liga dos Campeões da UEFA.

Com o título nacional de 1983, a Roma ganhou o direito de fazer sua estreia na Liga dos Campeões da UEFA na temporada 1983-1984. O time estava embalado e pronto para chegar à final, que seria disputada no estádio Olímpico de Roma. Seria o máximo conseguir, logo na estreia, chegar à final em casa. E foi para isso que o esquadrão de Falcão batalhou. A Roma eliminou o Gothenburg-SUE na primeira fase com uma vitória por 3 a 0 em casa (gols de Vincenzi, Conti e Cerezo) e uma derrota por 2 a 1 fora (gol de Pruzzo), vencendo por 4 a 2 no placar agregado. Nas oitavas de final, duas vitórias sobre o CSKA Sofia, da Bulgária, por 1 a 0, fora de casa (gol de Falcão) e 1 a 0 em Roma (gol de Graziani). Nas quartas, show em casa contra o Dynamo Berlin, da Alemanha Oriental: 3 a 0, gols de Graziani, Pruzzo e Toninho Cerezo. Na volta, a derrota de 2 a 1 não foi o bastante para eliminar a Roma, que foi para as semifinais, quando a equipe quase colocou tudo a perder quando foi derrotada na Escócia por 2 a 0 pelo Dundee United. Mas na volta, com o apoio da torcida no repleto estádio Olímpico, a Roma se impôs e fez 3 a 0 nos escoceses com dois gols de Pruzzo e um de Di Bartolomei. A equipe italiana chegava pela primeira vez na final da Liga dos Campeões. Era a chance de vencer o cobiçado troféu. E em casa.

O privilégio de decidir uma Liga dos Campeões da UEFA em casa é para poucos. Pouquíssimos, aliás. E a Roma conseguiu ser um desses felizardos na final da Liga de 1983-1984, contra o então tricampeão europeu Liverpool. Os ingleses eram tarimbados e sabiam como ninguém jogar uma Liga, além de ter o retrospecto favorável de nunca terem perdido uma final europeia. Já a Roma teria que conter a ansiedade, apostar na força de seu conjunto e de sua torcida para fazer bonito na decisão. Outro fator que pesaria na final era não ter enfrentado times tradicionais naquela competição, ao contrário do Liverpool, que encarou Athletic Bilbao e Benfica. Mas, com a bola rolando, a Roma teria que mostrar que estava preparada para vencer. O jogo foi disputado e o Liverpool fez uma partida inteligente, sem deixar a Roma pressionar ou fazer o clima hostil da torcida influenciar nos ânimos dos ingleses. Com isso, os reds abriram o placar aos 13´com um gol de Phil Neal. No final do primeiro tempo, foi a vez da Roma marcar com o matador Pruzzo, aos 42´, que chegou ao seu 5º gol na competição. No segundo tempo, a Roma dominou o meio de campo, mas não conseguiu furar a forte defesa inglesa. Com poucas emoções, o jogo foi para a prorrogação, e, depois, para os pênaltis. Nas cobranças, o Liverpool contou com a malandragem do goleiro Grobbelaar, que distraiu os jogadores romanos Conti e Graziani, que chutaram para fora. O Liverpool venceu por 4 a 2 e faturou, em pleno estádio Olímpico, seu quarto título europeu. Foi um desastre para a Roma. Em sua primeira final, com o privilégio de jogar em seu próprio estádio, o time sucumbia nos pênaltis. A derrota foi amarga e é um dos capítulos mais tristes da história do clube, que perdeu a chance de colocar seu nome e de seus jogadores no mais alto escalão do futebol europeu.


Após a derrota na Liga, a Roma conseguiu encerrar a temporada com um título de consolação: a Copa da Itália. Depois de ter eliminado o Milan, ns quartas, e o freguês Torino, nas semis, o time enfrentou o Verona na decisão. No primeiro jogo, em Verona, empate em 1 a 1. Na volta, em Roma, vitória por 1 a 0 para a equipe da capital, que comemorou o terceiro caneco da Copa em cinco anos. Mas aquele seria o último grande momento do esquadrão comandado por Nils Liedholm.

A derrota na final da Liga deixou feridas na Roma que não foram cicatrizadas. O técnico Liedholm deixou a equipe em 1984, assim como Falcão, o que culminou com a perda da magia conquistada pelo time naqueles anos. A Roma ainda venceria mais uma Copa da Itália, em 1985-1986, mas só voltaria a brilhar no Campeonato Italiano em 2001, quando faturou o tri. Terminava no fatídico ano de 1984 a trajetória do time que voltou a fazer o torcedor romano alegre e feliz, que esbanjou categoria, conquistou títulos, e conseguiu a proeza única de chegar a uma final de Liga dos Campeões. Por esta façanha, e por ter levado a Roma à conquista do Scudetto de 1983, esse esquadrão que tinha um rei (Falcão) e vários ótimos súditos é, sem dúvida alguma, um imortal do futebol.


Uma lesão crônica no joelho esquerdo atrapalhou as duas últimas temporadas e Falcão acabou deixando o clube em 1985. Pesou contra sua renovação os problemas com o presidente Viola, que pensava que seu salário já não mais representava a qualidade de um futebol cada vez mais sacrificado em suas últimas partidas com a camisa giallorossa. Dois anos antes, o jogador havia recusado uma proposta da Internazionale. Para isso, reza a lenda ter sido fundamental a intercessão do então Papa João Paulo II, apaixonado torcedor romanista. Acabou no São Paulo, no qual ficou pouco tempo e se aposentou aos 33 anos, apenas 10 jogos e um título paulista depois.

Pela seleção brasileira, foram apenas 29 jogos, mas quatro grandes decepções. Primeiro, ao ficar de fora do Mundial de 1978, ao ser preterido pelo treinador Cláudio Coutinho de última hora. Depois, na Copa de 1982, como titular absoluto e jogando bem na já decantada tragédia de Sarriá, estádio que viu os três gols de Paolo Rossi mandarem para casa o mais talentoso time nacional até então, comandado por Telê Santana. A terceira decepção ocorreu no Mundial de 1986, no qual fez dois jogos sem brilho numa campanha triste, jogando longe de suas melhores condições físicas. E, por último, como técnico canarinho, função que exerceu por pouco mais de um ano após a saída de Sebastião Lazaroni, em 1990.


Paulo Roberto Falcão
Nascimento: 16 de outubro de 1953, em Abelardo Luz, Santa Catarina
Clubes: Internacional (1973-1980), Roma (1980-85) e São Paulo (1985-86)
Seleção Brasileira: 29 jogos, 9 gols
Títulos como jogador: 1 Serie A (1983), 2 Copa Italia (1981 e 1984); 3 Campeonatos Brasileiros (1975, 76, 79), 5 Campeonatos Gaúchos (1973, 74, 75, 76, 78), 1 Campeonato Paulista (1985)


Fontes: Quattro Tratti (http://www.quattrotratti.com/2010/03/brasileiros-no-calcio-paulo-roberto.html) e Imortais do Futebol (http://imortaisdofutebol.com/2012/07/21/esquadrao-imortal-roma-1980-1984/)

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