Não é fácil de explicar nem
simples de entender os caminhos que levaram o Brasil de uma proeminente
economia nos Anos 1970, que experimentara um ritmo de crescimento econômico que
assombrara o mundo, a um país completamente quebrado e imerso em crise profunda
nos Anos 1980, num atoleiro político-econômico do qual não foram poucos os que
duvidaram que ele fosse capaz de sair.
No período entre 1967 e 1976 a
economia brasileira cresceu a uma média de 9,5% ao ano, um ritmo que levou a se
batizar internacionalmente estes dias como o “milagre brasileiro”. Mas os
fatores mudaram, e a teimosia do governo brasileiro em aceitar estas mudanças
custou caro. Em 1974 houve a Crise Global do Petróleo, com o preço do barril
disparando no mercado internacional. O sinal de alerta já deveria ter sido
aceso, mas não foi. O governo do Brasil estava preocupado em manter as altas
taxas de crescimento de sua economia, e passou sistematicamente a injetar
recursos para manter um expressivo ritmo de expansão via aumento sistemático
dos gastos públicos. A aposta era de que a crise internacional seria passageira.
Mas não foi.
Em 1979, o Irã endureceu sua
relação com o Ocidente, desencadeando a 2ª Crise Global do Petróleo. O preço
dos combustíveis disparou em todo o mundo, gerando inflação. Para conter a alta
dos preços, Estados Unidos e Europa subiram suas taxas de juros. Aí morava o
problema. Todo o modelo do milagre brasileiro havia sido sustentado por um alto nível de
endividamento externo, e as dívidas eram indexadas aos juros internacionais;
uma vez que EUA e Europa aumentaram a taxa de juros, estas dívidas externas
cresceram absurdamente, levando à quebradeira das economias emergentes que
tinham alto grau de endividamento. Em 1982, o México decretou moratória, a qual
seguiram-se pedidos de moratória de Brasil, Uruguai, Argentina, Chile e
Venezuela.
Sob completo descontrole
econômico, a situação brasileira entrou numa espiral que levou à hiperinflação.
O Brasil conviveu, nos anos 1950 e 1960, com taxas de variação de preços de
dois dígitos, girando, entretanto, sempre abaixo dos 20% ao ano. No período
entre as duas Crises do Petróleo, os preços estiveram variando entre 40% e 50%
ao ano. Em 1980 a taxa de inflação em doze meses atingiu pela primeira vez os
três dígitos, e daí para frente não pararam mais de subir, de forma totalmente
descontrolada. O governo tentava impedir, mas suas ações não atacavam o coração
do problema, pois as medidas que eram necessárias certamente seriam
impopulares.
O problema se agravou cada vez
mais. Em 1989 a inflação de doze meses atingiu os quatro dígitos, num quadro
totalmente hiper-inflacionário. A taxa de variação mensal de preços era de 25%
ao mês, e ficou ainda pior, em 1994 chegou ao ápice de 48% ao mês. Isto
significa que todos os preços variavam diariamente, ao se sair para trabalhar
pela manhã o preço do pão e do café na esquina era um, e ao se voltar do
trabalho no fim do dia, o preço já não era mais o mesmo. Era um
quadro econômico do mais completo caos. A taxa oficial de inflação do país em
1993 foi de 2.477%. Eram dias nos quais os supermercados viviam hiper-lotados
na primeira semana do mês e vazios nos demais dias. As pessoas corriam para
fazer as suas compras do mês assim que recebiam seus salários, gerando
hiper-lotação, filas enormes e carrinhos de compras cheios de produtos não
perecíveis para serem estocados em casa.
Ao tom deste descontrole, a cada
plano do governo para tentar conter a sangria no país, mudava-se a moeda em
circulação. A história monetária do Brasil é um bom reflexo do quão caótico
foram os Anos de 1980 no país. Até 1986, o Brasil só havia convivido com uma
mudança expressiva no seu sistema monetário. Até 1942 a moeda brasileira era o
real, cujo plural era usado nas ruas, os “réis”. Popularmente, a medição
monetária nas ruas era em “contos de réis”. Em 1942 a moeda mudou e passou a
ser o cruzeiro, e assim foi até 1986, com uma variação apenas entre 1967 e 1970
quando foi chamada de cruzeiro novo.
A partir de 1986, quando o
cruzeiro foi substituído pelo cruzado, as mudanças foram constantes. Três anos depois
e nova mudança, com a moeda passando a ser o cruzado novo, que existiu só por
um ano e foi substituída pelo cruzeiro. Em 1993, o cruzeiro virou cruzeiro
real, moeda que em 1994 foi substituída pelo real, com direito a um complexo
sistema de conversão válido durante um mês, em que tudo no mercado era tabelado
numa unidade real de valor (URV). O Plano Real foi então o esforço definitivo
para controlar a inflação e restabelecer o mínimo de ordem no país.
O futebol não escapou da desordem
econômica, e um caso em especial é a prova: em 1987 a Confederação Brasileira
de Futebol (CBF) anunciou que não dispunha de recursos para realizar o
campeonato nacional daquele ano. Os clubes acabaram se unindo e com apoio
financeiro da Rede Globo e da Coca-Cola realizaram o torneio. A política não
gostou e os imbróglios judiciais em torno do reconhecimento do campeão nacional
de futebol em 1987 não foram resolvidos até os dias de hoje. A Seleção
Brasileira, apesar do incômodo com o longo jejum de títulos, que vinha desde a
Copa do Mundo de 1970, não sofreu perdas econômicas, mas sentiu o clima de
instabilidade política e desordem que assolavam o Brasil.
Instabilidades do entusiasmo de
um país jovem, cheio de energia e provido de muita ousadia. A consciência
política era frágil, afinal as bases educacionais, por mais que houvessem
obtido extraordinário avanço, ainda estavam muito distante de um patamar que
pudesse oferecer uma consciência política plena à maioria da população. Não se
pode esquecer que, cem anos antes, 85% da população brasileira era analfabeta.
Em um século, a proporção se inverteu, com o analfabetismo passando de 85% para
15%. O esforço de oferecer o básico em educação recém estava sendo concluído,
sem que se pudesse ainda exigir um nível educacional adequado, qualitativamente,
para a maioria. E sem este “padrão adequado”, o nível de conscientização
política era frágil, e daí tinha-se a margem de oscilações tão abruptas do
milagre ao caos, do caos à ordem.
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