sábado, 1 de julho de 2023

Seleção Brasileira em 1920


Em 1920 a história da Seleção Brasileira começou a ser prejudicada por problemas políticos internos do país. Para o Sul-Americano que viria a ser jogado no Chile, o Brasil foi representado praticamente por uma Seleção Carioca (do Rio de Janeiro) reforçada por dois jogadores do Santos e um do Brasil de Pelotas, do Rio Grande do Sul (o primeiro de fora do eixo Rio-São Paulo a vestir à camisa da Seleção Brasileira). Um outro marco: pela primeira vez a seleção foi comandada efetivamente por um técnico e não por um comitê liderado por um de seus jogadores. O treinador foi Oswaldo Gomes, um ex-jogador da própria seleção.

O imbróglio político se deu por um problema entre a Confederação Brasileira e a Federação Paulista, o qual levou a que os clubes de São Paulo não liberassem seus jogadores para disputar o Campeonato Sul-Americano de 1920 com a Seleção Brasileira. A desavença foi causada pela marcação da data de realização do tradicional confronto entre os clubes campeões do Campeonato Carioca e do Campeonato Paulista (então chamada Taça Ioduran). Assim, o time do Brasil foi ao Chile bastante desfalcado.

Com a organização da competição continental daquele ano sendo no Chile, com o torneio ainda restrito à participação de Argentina, Brasil, Chile e Uruguai, encerrou-se um ciclo de quatro edições do torneio nas quais cada um foi uma vez a sede da competição. Os uruguaios voltaram a conquistar o título naquele ano, assim nestas 4 primeiras edições houve 3 títulos do Uruguai e 1 do Brasil.

A Seleção Brasileira terminou a 1ª rodada do triangular na liderança após ter vencido ao Chile e visto Argentina e Uruguai empatarem. Mas na 2ª rodada, uma goleada acachapante (6 a 0) dos uruguaios para cima dos brasileiros, acabaria com qualquer aspiração do Brasil. Na mesma rodada, a Argentina tropeçou ao empatar contra os anfitriões. Assim, na última rodada, bastou à camisa celeste vencer aos chilenos para assim conquistar a seu terceiro título, com os argentinos superando aos brasileiros e ficando com a segunda colocação.

Como curiosidade histórica, a terrível goleada sofrida em 18 de setembro de 1920 para o Uruguai por 6 x 0 perduraria até 2014 como a pior derrota sofrida pela Seleção Brasileira em sua história.

Seleção Brasileira de 1920

Foi em 1920 também que houve o primeiro registro de manifestações preconceituosas de argentinos contra brasileiros. Na volta do Sul-Americano realizado no Chile, a delegação brasileira parou em Buenos Aires, onde foi programado um jogo amistoso entre Brasil e Argentina. A viagem era longa, de navio, o que forçava paradas para manutenção da embarcação. Durante esta estadia brasileira em Buenos Aires, o jornal argentino "La Crítica" inaugurou oficialmente a expressão "Macaquitos", termo preconceituoso usado pelos argentinos pejorativamente em relação aos brasileiros.

O citado jornal publicou uma charge com o desenho de macacos trajando o uniforme da Seleção Brasileira sob o título: "Macacos em Buenos Aires. Uma saudação aos ilustres hóspedes". Em protesto contra a charge, vários jogadores brasileiros se recusaram a entrar em campo para a disputa do amistoso. Só 7 jogadores brasileiros se apresentaram para a partida. Decidiu-se então colocar quatro jogadores argentinos (Baigorri, Antonio Rosado, Emilio Solari e Castro) para completar os onze do time brasileiro. Com esta atitude, a torcida local protestou com vaias e objetos arremessados para dentro do campo de jogo, e a partida foi interrompida. Para que houvesse continuidade e se evitasse protestos ainda piores, decidiu-se continuar a partida com 7 jogadores de cada lado. Esta partida de 6 de outubro terminou 3 a 1 para a Argentina, entretanto, nunca foi considerada por nenhuma das confederações dos dois países na lista de confrontos históricos Brasil vs Argentina.

Ilustração: "Macacos em Buenos Aires: saudação aos ilustres hóspedes"


Do ponto de vista da sociologia, há uma reflexão válida a ser feita sobre este episódio. O futebol no Brasil, em 1920, ainda era um esporte praticado exclusivamente pela elite, sem acesso às camadas economicamente mais desfavorecidas, na qual havia, pelo histórico da escravidão - que tinha sido extinta no Brasil havia apenas 32 anos, em 1888 -, uma presença percentualmente maior da raça negra, afrodescendente.

Assim, embora a associação a um racismo estrutural no Século XXI relacione a provocação com macacos a afrodescendentes, o termo nasceu em 1920 como um ataque pejorativo à mestiçagem do Brasil. Antes da chegada da Família Real de Portugal ao Brasil em 1808, acompanhada de uma elite de raça branca que ficou concentrada no Rio de Janeiro, durante três séculos a presença de portugueses no país era majoritariamente de homens, sendo raríssima até então a presença feminina. Estes homens brancos procriaram com mulheres indígenas durante estes três séculos, entre 1500 e 1800, fazendo com que mesmo na elite brasileira em 1920, aos olhos de uma sociedade majoritariamente de raça branca, a mestiçagem com os índios fosse bem marcada. Neste restritivo ambiente de um futebol brasileiro ainda elitizado, a presença da raça negra era muito escassa. Ainda assim, o herói do título brasileiro do Sul-Americano de 1919 trazia traços raciais bem destacados, um mestiço filho de pai alemão - como o sobrenome deixava explícito: Friedenreich - e mãe negra e baiana - como a cor de sua pele mostrava uma inquestionável ascendência com raízes de ascendência africana -.

A Seleção Brasileira que jogava futebol em 1920 e sofreu tal ataque com a capa do jornal de Buenos Aires era formada por jovens ricos e de tom de pele não tão distinto do argentino, mas com presença, inquestionavelmente, de uma maior mestiçagem do que a observada entre os jogadores representantes do país vizinho.

Assim, ainda que só tendo jogado três partidas em 1920, foi um ano de marco histórico para o futebol brasileiro, que viu crescer a rivalidade interna entre a capital federal Rio de Janeiro com a província mais rica São Paulo, viu eclodir a rivalidade externa com aquele que veio a se tornar o seu principal rival no continente, a Argentina, e veio a sofrer a derrota que perduraria por 94 anos como a pior da história da Seleção Brasileira, até ser superada pelo fatídico 7 a 1 da Copa do Mundo de 2014.



JOGOS NO ANO:

11/09/1920 - BRASIL 1 x 0 CHILE
Campeonato Sul-Americano - Valparaíso Sporting Club, Viña del Mar, Chile
Gol: Alvariza (34'1T)

Brasil: Kuntz (Flamengo), De Maria (Andarahy) e Martins (São Cristóvão); Rodrigo Brandão (Flamengo), Sisson (Flamengo) e Fortes (Fluminense); Zezé (Fluminense), Constantino (Santos), Castelhano (Santos), Junqueira (Flamengo) e Alvariza (Brasil de Pelotas).
Téc: Oswaldo Gomes
Chile: Manuel Guerrero (La Cruz), Pedro Vergara (Santiago Wanderers) e Ulises Poirrier (La Cruz); Víctor Toro (Union Atletico), Humberto Elgueta (Gold Cross) e Ramón Unzaga (Estrella del Mar); Víctor Varas (Artillero de Costa), Aurelio Domínguez (Artillero de Costa), Blas Parra (Artillero de Costa), Alfredo France (Gold Cross) e Horacio Muñoz (Fernández Vial).
Téc: Juan Bertone

Brasil vs Chile


18/09/1920 - BRASIL 0 x 6 URUGUAI
Campeonato Sul-Americano - Valparaíso Sporting Club, Viña del Mar, Chile
Gols: Ángel Romano (23'1T), Urdinarán (26'1), José Pérez (29'1T), Campolo (3'2T), Ángel Romano (15'2T) e José Pérez (20'2T)

Brasil: Kuntz (Flamengo), Telefone (Flamengo) e Martins (São Cristóvão); Japonês (Flamengo), Sisson (Flamengo) e Fortes (Fluminense); Zezé (Fluminense), De Maria (Andarahy), Castelhano (Santos), Junqueira (Flamengo) e Alvariza (Brasil de Pelotas).
Téc: Oswaldo Gomes
Uruguai: Juan Legnazzi (Peñarol), Antonio Urdinarán (Nacional) e Alfredo Foglino (Nacional); Pascual Ruotta (Peñarol), Alfredo Zibechi (Nacional) e Andrés Ravera (Peñarol); Pascual Somma (Nacional), José Pérez (Peñarol), José Piendibene (Peñarol), Ángel Romano (Nacional) e Antonio Cámpolo (Peñarol).
Téc: Ernesto Fígoli


25/09/1920 - BRASIL 0 x 2 ARGENTINA
Campeonato Sul-Americano - Valparaíso Sporting Club, Viña del Mar, Chile
Gols: Echeverría (40'1T) e Libonatti (28'2T)

Brasil: Kuntz (Flamengo), Telefone (Flamengo) e Martins (São Cristóvão); Japonês (Flamengo), Sisson (Flamengo) e Fortes (Fluminense); Zezé (Fluminense), Constantino (Santos), Castelhano (Santos), Junqueira (Flamengo) e Alvariza (Brasil de Pelotas).
Téc: Oswaldo Gomes
Argentina: Américo Tesoriere (Boca Juniors), Antonio Cortella (Boca Juniors) e Florindo Bearzotti (Belgrano); Ángel Frumento (Banfield), Juan Salvador Presta (Porteño) e Rodolfo Bruzzone (Palermo); Pedro Calomino (Boca Juniors), Julio Libonatti (Newell's Old Boys), Atilio Badalini (Newell's Old Boys), Raúl Echeverría (Estudiantes) e Antonio de Miguel (Newell's Old Boys).
Téc: Ground Committee (Comitê Técnico) comandado por Pedro Calomino



RESUMO:

Seleção Brasileira de 1920:
Kuntz (Flamengo), Telefone (Flamengo) e Martins (São Cristóvão/RJ); Japonês (Flamengo), Sisson (Flamengo) e Fortes (Fluminense); Zezé (Fluminense), Constantino (Santos), Castelhano (Santos), Junqueira (Flamengo) e Alvariza (Brasil de Pelotas).

Artilharia: Alvariza (1)

Participação:
3 jogos: Kuntz, Martins, Sisson, Fortes, Zezé, Castelhano, Junqueira e Alvariza
2 jogos: Telefone, De Maria, Japonês e Constantino
1 jogo: Rodrigo Brandão


Nenhum comentário:

Postar um comentário