Em 1919 o Brasil foi sede do Campeonato Sul-Americano, e pela primeira vez em sua história a Seleção Brasileira conquistou o título continental. Era a retomada de eventos após a pandemia global de febre espanhola que havia matado milhares de pessoas no mundo inteiro em 1918.
O Campeonato Sul-Americano de 1919 foi o primeiro grande evento esportivo realizado na história do Brasil, e o primeiro a aglomerar multidões de mais de 20 mil pessoas. Eram tempos nos quais reunir tanta gente junta era um tremendo desafio logístico, pois veículos automotores ainda eram bastante raros e os transportes coletivos envolviam bondes elétricos se deslocando por trilhos, havendo por tanto limites à capacidade de deslocamentos em massa.
O futebol ainda era incipiente no país, mas crescia bastante em popularidade, e aquele grande evento, com grande cobertura dos meios de comunicação, ajudou a difundir mais sua popularização. Até 1919, poucos Estaduais tinham começado a ser disputados no Brasil, e em somente quatro estados tinha havido mais do que quatro edições, tendo ocorrido até então 17 edições do Campeonato Paulista, 14 do Campeonato Baiano, 13 do Campeonato Carioca, e 8 do Campeonato Paraense. E ainda assim com participação praticamente restrita a clubes das capitais.
O campeonato no Rio de Janeiro, no entanto, acabou marcado por uma tragédia. Na segunda rodada, no duelo entre os bi-campeões sul-americanos de 1916 e 1917, o Uruguai, contra o Chile, no Estádio das Laranjeiras, o goleiro uruguaio Roberto Chery teve o rompimento de uma hérnia, tendo que ser levado ao hospital, onde permaneceu internado nos dias seguintes. Em 30 de maio, dia seguinte ao do jogo desempate que deu o título ao Brasil, Chery acabou vindo a óbito. Em sua memória, Brasil e Argentina disputaram o Troféu Roberto Chery num amistoso em 1º de junho no mesmo campo das Laranjeiras, tendo as seleções jogado, respectivamente, com a camisa auri-negra do Peñarol, e com a camisa celeste do Uruguai. A renda foi toda revertida para o traslado do corpo e para ajudar à família do atleta. A partida terminou empatada, e o troféu foi entregue ao Peñarol.
Na disputa da competição, brasileiros e uruguaios venceram nas duas primeiras rodadas e entraram em campo na última disputando o título. No outro jogo da última rodada, a Argentina goleou ao Chile e ficou com a terceira colocação. Na decisão, o Uruguai abriu 2 a 0 com 17 minutos do 1º tempo, mas o Brasil reagiu, com Neco, atacante do Corinthians, tornando-se o herói da retomada, marcando um gol ainda no 1º tempo, e empatando a partida do 2º tempo.
Neco
Com o empate, as duas seleções voltaram a entrar em campo quatro dias depois para o desempate. A partida levou novamente aproximadamente vinte mil expectadores às Laranjeiras. O jogo se arrastou num empate sem gols, e foi ser decidido na prorrogação. Foram necessários três tempos de prorrogação para que saísse o gol do título, marcado por Arthur Friedenreich, o herói da primeira conquista continental do futebol do Brasil. A escalação com os nomes dos onze primeiros heróis da história da Seleção Brasileira: Marcos, Píndaro e Bianco; Sérgio, Amílcar e Fortes; Millon, Neco, Friedenreich, Heitor e Arnaldo.
Arthur Friedenreich
A grande cobertura da imprensa àquele torneio quadrangular de futebol entre Brasil, Argentina, Uruguai e Chile despertou a atenção de todos, e se o futebol ainda era uma prática elitizada e relativamente restrita, pode-se dizer que o Campeonato Sul-Americano de 1919 abriu as portas de estreitamento ao gosto popular. Tanto que a vitória sobre o Uruguai inspirou a primeira composição da música popular brasileira dedicada ao futebol, amplificando seu processo de popularização. Pixinguinha compôs um choro exaltando aquela glória da Seleção Brasileira, uma música chamada "Um a zero", e cujos trechos extraídos de sua letra ajudam a imaginar o desenrolar dos acontecimentos: "Vai começar o futebol, pois é. Com muita garra e emoção, são onze de cá, onze de lá, e o bate-bola do meu coração. Numa jogada emocionante, o nosso time venceu por um a zero, e a torcida vibrou. E o mundo inteiro se encantou com esta arte. Aos quarenta do segundo tempo, o jogo ainda é zero a zero, todo time quer ser campeão. São os minutos finais, vai ter desconto. Numa jogada genial, aproveitando o lateral, um cruzamento que veio de trás, foi quando alguém chegou. Meteu a bola na gaveta, e comemorou". Brasil Campeão!
JOGOS NO ANO:
11/05/1919 - BRASIL 6 x 0 CHILE
Campeonato Sul-Americano - Estádio das Laranjeiras, Rio de Janeiro
Gols: Friedenreich (19'1T), Neco (21'1T), Friedenreich (38'1T) e (31'2T), Haroldo (33'2T) e Neco (39'2T)
Brasil: Marcos Carneiro de Mendonça (Fluminense), Píndaro de Carvalho (Flamengo) e Bianco (Palestra Itália/SP); Sérgio (Paulistano), Amílcar (Corinthians) e Gallo (Flamengo); Luiz Menezes (Botafogo), Neco (Corinthians), Arthur Friedenreich (Paulistano), Haroldo Domingues (Santos) e Arnaldo Patusca (Santos).
Téc: Ground Committee (Comitê Técnico) comandado por Haroldo Domingues
Chile: Manuel Guerrero (La Cruz), Francisco Gatica (Eleuterio Ramirez) e Ulises Poirrier (La Cruz); Oscar González (Artillero de Costa), Héctor Baeza (Santiago Wanderers) e Aurelio Domínguez (Artillero de Costa); Telésforo Báez (Santiago Wanderers), Eufémio Fuentes (La Cruz), Alfredo France (Estrella del Mar), Horacio Muñoz (Fernández Vial) e Víctor Varas (Artillero de Costa).
Téc: Héctor Parra
18/05/1919 - BRASIL 3 x 1 ARGENTINA
Campeonato Sul-Americano - Estádio das Laranjeiras, Rio de Janeiro
Gols: Heitor Domingues (22'1T), Amílcar (12'2T), Izaguirre (20'2T) e Millon (32'2T)
Brasil: Marcos Carneiro de Mendonça (Fluminense), Píndaro de Carvalho (Flamengo) e Bianco (Palestra Itália/SP); Sérgio (Paulistano), Amílcar (Corinthians) e Fortes (Fluminense); Millon (Santos), Neco (Corinthians), Arthur Friedenreich (Paulistano), Heitor Domingues (Palestra Itália/SP) e Arnaldo Patusca (Santos).
Téc: Ground Committee (Comitê Técnico) comandado por Haroldo Domingues
Argentina: Carlos Isola (River Plate), Roberto Castagnola (Racing) e Armando Reyes (Racing); Ernesto Mattozzi (Porteño), Eduardo Uslenghi (Porteño) e Pedro Martínez (Huracán); Pedro Calomino (Boca Juniors), Carlos Izaguirre (Porteño), Edwin Clarcke (Porteño), Enrique Brichetto (Boca Juniors) e Juan Nelusco Perinetti (Racing).
Téc: Ground Committee (Comitê Técnico)
Brasil vs Argentina
25/05/1919 - BRASIL 2 x 2 URUGUAI
Campeonato Sul-Americano - Estádio das Laranjeiras, Rio de Janeiro
Gols: Isabelino Gradín (13'1T), Carlos Scarone (17'1T), e Neco (29'1T) e (18'2T)
Brasil: Marcos Carneiro de Mendonça (Fluminense), Píndaro de Carvalho (Flamengo) e Bianco (Palestra Itália/SP); Sérgio (Paulistano), Amílcar (Corinthians) e Fortes (Fluminense); Millon (Santos), Neco (Corinthians), Arthur Friedenreich (Paulistano), Heitor Domingues (Palestra Itália/SP) e Arnaldo Patusca (Santos).
Téc: Ground Committee (Comitê Técnico) comandado por Haroldo Domingues
Uruguai: Cayetano Saporiti (Montevideo Wanderers), Manuel Varela (Peñarol) e Alfredo Foglino (Nacional); Rogelio Naguil (Nacional), Alfredo Zibechi (Nacional) e José Vanzzino (Nacional); José Pérez (Peñarol), Héctor Scarone (Nacional), Carlos Scarone (Nacional), Isabelino Gradín (Peñarol) e Rodolfo Marán (Nacional).
Téc: Severino Castillo
29/05/1919 - BRASIL 1 x 0 URUGUAI
Campeonato Sul-Americano - Estádio das Laranjeiras, Rio de Janeiro
Gol: Arthur Friedenreich (35'Prorrogação)
Brasil: Marcos Carneiro de Mendonça (Fluminense), Píndaro de Carvalho (Flamengo) e Bianco (Palestra Itália/SP); Sérgio (Paulistano), Amílcar (Corinthians) e Fortes (Fluminense); Millon (Santos), Neco (Corinthians), Arthur Friedenreich (Paulistano), Heitor Domingues (Palestra Itália/SP) e Arnaldo Patusca (Santos).
Téc: Ground Committee (Comitê Técnico) comandado por Haroldo Domingues
Uruguai: Cayetano Saporiti (Montevideo Wanderers), Manuel Varela (Peñarol) e Alfredo Foglino (Nacional); Rogelio Naguil (Nacional), Alfredo Zibechi (Nacional) e José Vanzzino (Nacional); José Pérez (Peñarol), Héctor Scarone (Nacional), Ángel Romano (Nacional), Isabelino Gradín (Peñarol) e Rodolfo Marán (Nacional).
Téc: Severino Castillo
Final do Campeonato Sul-Americano de 1919
01/06/1919 - BRASIL 3 x 3 ARGENTINA
Amistoso - Estádio das Laranjeiras, Rio de Janeiro
Gols: Arlindo (2), Clarcke, Mattozzi, Haroldo e Laiolo
Brasil: Dionysio (Ypiranga/SP), Palamone (Mackenzie) e Bianco (Palestra Itália/SP); Laís (Fluminense), Picagli (Palestra Itália/SP) e Martins (São Cristóvão); Millon (Santos), Oscar Carregal (Flamengo), Heitor Domingues (Palestra Itália/SP), Haroldo Domingues (Santos) e Arlindo (América).
Téc: Ground Committee (Comitê Técnico) comandado por Haroldo Domingues
Argentina: Carlos Isola (River Plate), Roberto Castagnola (Racing) e Armando Reyes (Racing); Ernesto Mattozzi (Porteño), Eduardo Uslenghi (Porteño) e Pedro Martínez (Huracán); Pedro Calomino (Boca Juniors), José Laiolo (River Plate), Edwin Clarcke (Porteño), Nicolás Rofrano (River Plate) e Francisco Taggino (River Plate).
Téc: Ground Committee (Comitê Técnico)
Seleção Brasileira Campeã Sul-Americana de 1919
RESUMO:
Seleção Brasileira de 1919:
Marcos Carneiro de Mendonça (Fluminense), Píndaro de Carvalho (Flamengo) e Bianco (Palestra Itália/SP); Sérgio (Paulistano), Amílcar (Corinthians) e Fortes (Fluminense); Millon (Santos), Neco (Corinthians), Arthur Friedenreich (Paulistano), Heitor Domingues (Palestra Itália/SP) e Arnaldo Patusca (Santos).
Artilharia: Friedenreich (4), Neco (4), Haroldo (2), Arlindo (2), Heitor Domingues (1), Amílcar (1) e Millon (1)
Participação:
5 jogos: Bianco
4 jogos: Marcos Carneiro de Mendonça, Píndaro de Carvalho, Sérgio, Amílcar Barbuy, Millon, Neco, Friedenreich e Arnaldo Patusca
3 jogos: Fortes e Heitor Domingues
2 jogos: Haroldo Domingues
1 jogo: Dionysio, Palamone, Laís, Picagli, Martins, Gallo, Oscar Carregal e Arlindo
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