Os resultados da Seleção
Brasileira não permitiam um tom de confiança. O fantasma da eventualidade de
perder novamente um Mundial jogado dentro do Brasil rondava o subconsciente
coletivo. Mas os fatores de receio iam ainda um pouco mais além. A torcida
brasileira nunca foi de dar apoio incondicional à sua equipe, se o time vai mal
ou se o resultado demora a dar indícios de que será positivo, o torcedor
brasileiro pressiona e até vaia seus jogadores, antes mesmo do fim do jogo. A
exigência que não têm com seus políticos corruptos, a sociedade tem com seus
jogadores. Já aconteceu diversas vezes em Eliminatórias. Torcedores de outros
países muitas vezes têm dificuldade de entender como um povo pode vir a vaiar um símbolo nacional, mas este padrão de cobrança faz parte da cultura nacional.
Faz parte dos meios através do quais o Brasil e sua história ajudam a explicar
a seleção de futebol como um fenômeno social.
A insegurança em torno do
desempenho na Copa das Confederações era enorme. Para aumentar o clima de
tensão, a sociedade brasileira decidiu aproveitar o evento para ir às ruas
cobrando melhores políticas públicas. Questionava-se o volume de investimento
nos estádios, eram feitas contas de quantos hospitais poderiam ter sido construídos
com aqueles recursos, quantos pacientes poderiam vir a ser atendidos nestes
hospitais, quantas escolas poderiam ter sido erguidas. Até nisto o brasileiro
tinha suas particularidades, conseqüência do conturbado padrão de formação
política de seu povo: ninguém protestou antes ou durante as obras, deixou-se
para ir às ruas protestar depois que as obras já estavam concluídas e os
estádios entregues. Mas a “Copa das Manifestações” teve um papel singular de
mobilidade social que poucas vezes até então o Brasil viu em sua história.
Quanto ao futebol, o favorito
absoluto - o fantasma que cercava os sonhos brasileiros - era a Espanha,
bi-campeã da Europa e campeã mundial. Mas ainda tinha a sempre perigosa e
imprevisível Itália, e também o algoz de 1950 e eterno fantasma do Maracanã, o
Uruguai, além do algoz da seleção em tempos mais recentes, o México.
Eram dois grupos na 1ª fase. O
Grupo A tinha Brasil, Itália, México e Japão. E o Grupo B tinha Espanha,
Uruguai, Nigéria e Taiti. Eram seis cidades-sedes: Rio de Janeiro, Brasília,
Belo Horizonte, Salvador, Recife e Fortaleza. Espanhóis e uruguaios não tiveram
dificuldade para avançar em seu grupo, com margem para uma impressionante
goleada no Maracanã: Espanha 10 x 0 Taiti. A equipe taitiana não tinha
jogadores profissionais, eram amadores, cada qual com sua profissão, mas
conseguiram se tornar campeões da Oceania. Voltaram para casa com três
goleadas, além desta de dois dígitos sofrida para o time reserva da Espanha,
perderam de 6 x 1 para a Nigéria e de 8 x 0 para o Uruguai.
O histórico da Seleção Brasileira
na Copa das Confederações era excelente. A primeira participação canarinho
aconteceu em 1997, e logo em sua primeira vez, o Brasil já se sagrou campeão.
Na seguinte, em 1999, foi vice-campeão, perdendo a final para o México. Em
2001, acabou derrotado na semi-final pela França. Em 2003 foi eliminado na
primeira fase, num grupo que tinha Camarões, Estados Unidos e Turquia. Depois
deste fiasco, foi bi-campeão em 2005 e 2009. Em oito edições até então, havia
estado presente em seis, nas quais foi três vezes campeão em quatro finais disputadas.
O time de Luiz Felipe Scolari
estava escolhido: Júlio César (Queens Park Rangers, Inglaterra), Daniel Alves
(Barcelona, Espanha), Thiago Silva (Paris St-Germain, França), David Luiz
(Chelsea, Inglaterra) e Marcelo (Real Madrid, Espanha), Luiz Gustavo (Bayern Munique,
Alemanha), Paulinho (Corinthians) e Oscar (Chelsea, Inglaterra), Hulk (Zenit,
Rússia), Fred (Fluminense) e Neymar (Barcelona, Espanha).
A estréia tende a ser sempre
tensa, jogo nervoso, mas a seleção conseguiu manter-se tranqüila diante do
Japão. Tranqüilidade que foi facilitada pelo gol de Neymar logo aos 3 minutos
do primeiro tempo, acertando um bonito e certeiro chute de fora da grande área,
após ajeitada de peito de Fred. Bola no ângulo! Estádio Nacional Mané Garrincha,
em Brasília, mais aliviado. E um time que pôde jogar mais tranqüilo. Aos 3
minutos do segundo tempo foi a vez do cabeça de área Paulinho receber na área,
girar e bater para as redes. A Seleção Brasileira se impôs sobre o Japão. Nos
acréscimos, o centroavante Jô, que entrou no lugar de Fred, ainda deixou mais
um: Brasil 3 x 0.
O segundo jogo foi contra o
México no Castelão, em Fortaleza. Novamente foi Neymar quem deixou tudo mais
tranqüilo com um gol no começo do jogo, logo aos 9 minutos, concluindo com um
lindo chute de primeira após rebote da zaga mexicana. Mas o jogo desta vez foi
mais nervoso, sob um constante risco de sofrer um empate. Porém, o time estava
bem postado em campo e era superior. Sacramentou a vitória só nos descontos, e
de novo através do reserva Jô, após excepcional jogada individual de Neymar:
Brasil 2 x 0 México.
Após as duas primeiras rodadas,
Brasil e Itália sacramentaram suas classificações, assim a terceira rodada
serviu apenas para definir primeiro e segundo do grupo. Brasil x Itália, um dos
maiores clássicos da história do futebol mundial, um privilégio para o público
que o pôde assistir na Arena Fonte Nova, em Salvador. Um clássico cuja história
começou a ser decidida aos 46 minutos do primeiro tempo, quando o zagueiro
Dante aproveitou rebote do goleiro Buffon, após cabeçada de Fred, para abrir a
contagem. Logo na volta para a segunda etapa, porém, Giaccherini empatou, aos 6
minutos. Mas a vantagem italiana durou apenas três minutos: Neymar, cobrando
falta, pôs o Brasil de novo a frente. Dez minutos depois, Fred recebeu
lançamento de Marcelo e ampliou. Mas não havia tempo para respirar, porque
cinco minutos depois Chiellini diminuiu. Jogo tenso até o instante final. Partida
resolvida só aos 44 minutos do segundo tempo, quando Marcelo chutou, Buffon deu
rebote, e Fred marcou: Brasil 4 x 2 Itália.
A vitória sobre os italianos
massageou o ego brasileiro, melhorando o astral e dando mais confiança à
equipe, aos torcedores e à imprensa. Como primeiro colocado no grupo, o Brasil
evitou um confronto contra a Espanha na semi-final. O adversário, no entanto,
era duríssimo e trazia más lembranças a respeito de títulos mundiais
disputados em casa: era o forte Uruguai, com seu mortal ataque formado por
Diego Forlán, Edinson Cavani e Luis Suarez. O palco do duelo era o Mineirão, em
Belo Horizonte.
Tensão logo aos 12 minutos do
primeiro tempo, quando o árbitro, corretamente, marcou pênalti de David Luiz
sobre Diego Lugano. O camisa 10 do Uruguai, Diego Forlán, cobrou, batendo bem,
colocado, no canto esquerdo da meta, mas Júlio César salvou, com a ponta dos
dedos, mantendo o zero no placar. Aos 40 minutos do primeiro tempo, Fred
aproveitou rebote, depois de bonita jogada de Oscar, e escorou para as redes.
Brasil a frente! Logo na volta do segundo tempo, porém, Cavani bateu cruzado e
empatou. Tudo parecia caminhar para a disputa dos pênaltis quando, aos 40
minutos do segundo tempo, Paulinho meteu a cabeça na bola, após cobrança de
escanteio, e testou para as redes, heróico: Brasil 2 x 1 Uruguai.
Brasil na final. O Maracanã, no
Rio de Janeiro, novamente como palco. Pela frente, a poderosíssima esquadra da
Espanha. Estaria o ano de 2013 reservado para que se fosse visto um novo Maracanazo? O mundo inteiro dizia,
inclusive os brasileiros, que tecnicamente aquele time da Espanha era melhor do
que o do Brasil. 30 de junho de 2013, era hora de por a teoria a prova, a final
que todos esperavam: Brasil x Espanha.
Estádio, como não poderia deixar
de ser, tomado por 73 mil espectadores, sua lotação máxima. O Maracanã, que
recebera 200 mil na final da Copa de 1950, que tantas vezes tinha visto
públicos centenários, após quatro grandes reformas de modernização (1992-1993,
1999-2000, 2006-2007 e 2012-2013) tinha tido sua capacidade reduzida, já não
era mais o “Maior Estádio do Mundo”. Mas naquele dia, tinha um duelo à altura
de sua belíssima história.
A situação do jogo lembrava, de
forma inversa, a da final da Copa de 1998. De um lado um time tecnicamente
considerado favorito, do outro o dono da casa, motivado, inflado pelos ecos
nacionalistas das arquibancadas do estádio. Naquela oportunidade, os jogadores
franceses, abraçados no Stade de France, escutaram o estádio inteiro cantar a
plenos pulmões La Marseillaise, hino
francês. Agora era a vez do Maracanã ter diante de si os jogadores brasileiros,
abraçados, escutando o estádio inteiro cantar a plenos pulmões o Hino Nacional
Brasileiro: “Gigante pela própria natureza, és belo, és forte, impávido
colosso, e o teu futuro espelha essa grandeza, terra adorada. Entre outras mil,
és tu, Brasil, ó Pátria amada! Dos filhos deste solo és mãe gentil, pátria
amada, Brasil!”. Dois momentos marcantes e emocionantes, e cujas coincidências
não parariam por aí.
A Seleção Brasileira não estava
para brincadeiras. Decidiu deixar isto claro logo aos 2 minutos de jogo.
Cruzamento para a área espanhola, Fred e Neymar se enrolam com os zagueiros
dentro da pequena área num bate-rebate tremendo, a bola sobre para Fred, mas o
camisa 9 brasileiro está caído no chão diante do goleiro Casillas. Caído mesmo
ele consegue se contorcer e chutar, deitado no chão, a bola passa por cima do
goleiro espanhol e estufa as redes. Delírio e êxtase no Maracanã, o Brasil estava
a frente.
Tudo se inverteu, a ansiedade se
tornou euforia. A Seleção Brasileira abriu o marcador logo nos minutos
iniciais, como havia acontecido na estréia, e afastado qualquer tensão de
jogadores e torcedores, deixando o time mais solto e leve em campo, livre para
jogar um futebol mais alegre e mais dinâmico. Oscar quase ampliou. Paulinho
quase fez um golaço por cobertura. Fred por pouco não fez mais um, ao concluir
num contra-ataque em que um passe de Neymar o deixou frente a frente ao goleiro
espanhol. O Brasil jogava bem, e a torcida ia junto. Um lance capital do jogo
foi quando a Espanha encaixou um contra-ataque que pôs Pedro frente a frente
com Júlio César. Ele tocou e a bola passou pelo goleiro brasileiro, estava
quase sobre a linha do gol, quando David Luiz entrou de carrinho e conseguiu
tirá-la por cima do gol, a torcida celebrou nas arquibancadas com uma
intensidade que parecia estar soltando um grito de gol. Grito este que ecoaria
poucos minutos depois, aos 44 minutos, quando Neymar recebeu ótimo passe de
Oscar e bateu forte e alto para voltar a estufar as redes. Quanta emoção, e era
tão só o primeiro tempo.
Na volta do intervalo, o time
canarinho deixou claro o quão focado estava em ganhar o título. Logo no
primeiro minuto, Fred recebeu pela esquerda de ataque e tocou cruzado, fora do
alcance de Casillas. Brasil 3 x 0 Espanha. Fatura liquidada! O centroavante
brasileiro, de promessa e reserva na Copa de 2006, viu-se longe da seleção por
anos, perdeu a possibilidade de jogar a Copa de 2010, mas voltou em grande
estilo.
Mas ainda teve jogo. Havia muito
tempo no relógio, suficiente para o Maracanã ver um pênalti para a Espanha que
Sérgio Ramos chutou para fora, para que num contra-ataque Neymar fosse
derrubado pelo último homem da defesa espanhola, causando um cartão vermelho a este
último homem, Piqué, e para que Júlio César fizesse duas grandes defesas e a
Seleção Brasileira desperdiçasse algumas oportunidades de fazer o quarto gol. Como
em 1998, o dono da casa fez 3 x 0, e como daquela vez, o placar elástico não
representava a diferença de nível técnico entre as duas equipes que estavam
dentro de campo. Mas o bicho-papão do futebol mundial, o dono da última revolução
tática, estava abatido. Diante de sua gente, o Brasil era campeão! Não haveria Maracanazo, como não houve na final da
Copa América de 1989 nem nas Eliminatórias de 1993. A Seleção Brasileira
ganhava a Copa das Confederações pela quarta vez em sua história, e sendo
Tri-campeã consecutiva!
Ficha Técnica
BRASIL 3 x 0 ESPANHA
Gols: Fred (2'1T), Neymar (44'1T) e Fred (1'2T)
BRASIL: Júlio César; Daniel Alves, Thiago Silva, David Luiz e Marcelo; Luiz Gustavo, Paulinho (Hernanes) e Oscar; Hulk (Jádson), Fred (Jô) e Neymar.
ESPANHA: Iker Casillas; Arbeloa (Azpilicueta), Sérgio Ramos,
Piqué e Jordi Alba; Busquets, Xavi Hernández, Andrés Iniesta e Juan Mata (Jesús
Navas); Pedro e Fernando Torres (David Villa).
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