sexta-feira, 1 de agosto de 2014

No México, nem sempre dá em título

A Copa do Mundo de 1986 seria novamente no México. O Brasil tinha boas recordações dos torneios em solo mexicano, pois foi lá que conquistou a Copa do Mundo de 1970 e o Mundial Sub 20 de 1983. Com esperança de que os bons fluídos voltariam a empurrar a camisa canarinho para outra conquista, a seleção voltou a montar seu quartel general em Guadalajara.

Antes, porém, era preciso reorganizar a casa, que havia tido três técnicos diferentes entre 83 e 85. Para a estréia nas Eliminatórias, Telê Santana voltou a ser colocado no banco de reservas do Brasil.

A Seleção Brasileira fez uma campanha razoável nas Eliminatórias, resolveu sua vida logo nas duas primeiras partidas, fora de casa. O grupo tinha Paraguai e Bolívia, e só um se classificava para o Mundial de 86. A seleção venceu a Bolívia em Santa Cruz de la Sierra por 2 x 0 (não teve que suportar a altitude de La Paz) e, pelo mesmo placar, venceu ao Paraguai em Assunção. Nos jogos do returno, mesmos placares também, dois empates por 1 x 1, contra o Paraguai no Rio de Janeiro e contra a Bolívia em São Paulo.

O time de Telê Santana tinha modificações em relação ao usado nos amistosos por Evaristo de Macedo: o goleiro passou a ser Carlos, do Corinthians, nas laterais e no meio voltaram as opções usadas na Copa de 82, com Leandro e Júnior nas alas, e Cerezo, Sócrates e Zico na armação do time; e no ataque, Renato Gaúcho, do Grêmio, e Casagrande, do Corinthians, passaram a ser as armas ofensivas.

Depois de se classificar, o time só voltou a campo nove meses depois, em março de 1986. Foi à Europa jogar, de onde voltou com duas derrotas preocupantes, perdeu por 2 a 0 para a Alemanha Ocidental em Frankfurt, e perdeu por 3 a 0 para a Hungria em Budapeste.

Antes da Copa do Mundo, fez uma série de cinco amistosos no Brasil, venceu a maioria, mas jogos que não serviram muito de termômetro para medir as chances reais de título do time de Telê. O Brasil goleou ao Peru por 4 x 0 em São Luís, venceu à Alemanha Oriental por 3 x 0 em Goiânia, à Finlândia por 3 x 0 em Brasília e à Iugoslávia por 4 x 2 em Recife. Neste jogo, Zico, que vinha sofrendo com a recuperação após grave lesão e cirurgia no joelho, fez dois golaços e deu esperanças de que chegaria em boas condições físicas e técnicas ao México. No último compromisso, empate em 1 x 1 com o Chile em Curitiba. Cinco amistosos contra seleções que não estariam disputando o Mundial.

Na última hora um problema sério causou duas baixas importantes na equipe. O Brasil perdeu seu lado direito titular. Concentrados num hotel antes da viagem para a Copa, os jogadores tinham toque de recolher. Numa noite, Leandro e Renato Gaúcho fugiram do recolhimento e voltaram ao hotel alcoolizados já de madrugada. Foram surpreendidos pela comissão técnica. Ambos haviam sido titulares nas Eliminatórias de 1985 e nos amistosos pré-Copa. Renato Gaúcho foi cortado. Leandro foi advertido verbalmente. Com muita hombridade, o lateral-direito não aceitou punições diferentes se os erros cometidos haviam sido iguais, e pediu dispensa, negando-se a viajar para o México.

A lista final dos 22 convocados por Telê Santana:

Goleiros: Carlos (Corinthians), Leão (Palmeiras) e Paulo Victor (Fluminense)
Laterais: Édson Boaro (Corinthians), Josimar (Botafogo) e Branco (Fluminense)
Zagueiros: Oscar (São Paulo), Júlio César (Guarani), Edinho (Udinese, Itália) e Mauro Galvão (Internacional)
Meias: Elzo (Atlético Mineiro), Alemão (Botafogo), Júnior (Torino, Itália), Sócrates (Flamengo), Falcão (São Paulo), Silas (São Paulo), Zico (Flamengo) e Valdo (Grêmio)
Atacantes: Muller (São Paulo), Careca (São Paulo), Casagrande (Corinthians) e Edivaldo (Atlético Mineiro).


A principal mudança tática na equipe, no entanto, foi o deslocamento de Júnior da lateral-esquerda para o meio-campo. Foi a primeira vez que a Seleção Brasileira sentiu a influência do futebol europeu em seus jogadores. Júnior, havia duas temporadas, estava jogando no Campeonato Italiano, e como laterais no futebol europeu são defensores e não atacantes, e Júnior era altamente ofensivo, seu treinador no Torino o deslocou para o meio-campo. Telê se viu forçado a fazer o mesmo com ele no time brasileiro.

A 13ª Copa do Mundo foi disputada mais uma vez no México (seria na Colômbia, mas o país desistiu de sediá-la meses antes). O país estava em reconstrução após ser devastado por um terremoto, mas isto não comprometeu o evento. Nas Eliminatórias não houve surpresas ou resultados inesperados. Já a fórmula de disputa da Copa do Mundo voltou a sofrer alterações: as 24 seleções foram divididas em seis grupos de quatro, além dos dois primeiros, os terceiros colocados de melhor campanha também avançavam, somando dezesseis seleções nas oitavas de final, sendo a disputa, daí para frente, num mata-mata eliminatório até se chegar ao campeão.

O Grupo A reuniu Argentina, Itália, Bulgária e Coréia do Sul. O Grupo B teve México, Bélgica, Paraguai e Iraque. O Grupo C reuniu França, União Soviética, Hungria e Canadá. O Grupo D foi formado por Brasil, Espanha, Irlanda do Norte e Argélia. O Grupo E teve Alemanha Ocidental, Dinamarca, Escócia e Uruguai. E o Grupo F reuniu Inglaterra, Polônia, Portugal e Marrocos.

A seleção marroquina fez uma campanha surpreendente, empatou com poloneses e ingleses e venceu os portugueses, avançando em primeiro lugar no grupo, mas sucumbindo para a Alemanha na fase seguinte (vitória magra, por 1 x 0).

Surpresa mesmo foi o futebol apresentado pelos dinamarqueses. Na primeira fase, uma campanha arrasadora, que levou o time a ser apelidado de “Dinamáquina”. Seria um novo carrossel revolucionário como a Holanda de 1974? Não, foi alarme falso. Mas os dinamarqueses venceram a Escócia por 1 x 0, atropelaram ao Uruguai por 6 x 1, e venceram a Alemanha por 2 x 0. Nas oitavas, porém, foram atropelados: Espanha 5 x 1 Dinamarca. O time era treinado por Sepp Piontek e fez história jogando com: Rasmussen; Busk, Morten Olsen, Kent Nielsen e Berggreen; Lerby, Bertelsen, Jesper Olsen e Arnesen; Michael Laudrup e Elkjaer.

Já a Seleção Brasileira venceu seus três jogos na primeira fase, mas sem convencer nem a brasileiros nem a estrangeiros. Nos dois primeiros jogos o time titular de Telê Santana tinha: Carlos, Édson Boaro, Júlio César, Edinho e Branco, Alemão, Elzo, Júnior e Sócrates, Casagrande e Careca. Era um time com um meio de campo muito marcador e pouco dinâmico, e com um ataque isolado em dois centroavantes, sem ninguém fazendo movimentação pelas pontas. Na estréia, o Brasil venceu a Espanha por 1 x 0, gol de Sócrates, tendo um gol espanhol não sido validado, com a bola batendo no travessão e quicando dentro do gol, o que nem árbitro nem auxiliar perceberam. No segundo jogo, do qual se esperava uma fácil vitória sobre os argelinos, o time canarinho repetiu a vitória magra de 1 x 0 e o futebol bucólico. Na seleção da Argélia, o meio era liderado por um camisa 14 de nome Zidane; mas não havia nenhuma relação de Djamel Zidane com o camisa 10 da França, Zinedine Zidane, filho de argelinos imigrados, que viria a ser o carrasco do Brasil em duas Copas do Mundo no futuro.

A terceira partida era contra a Irlanda do Norte, e nela o técnico resolveu mexer no time, tirou Édson da lateral-direita e colocou Josimar, que herdara a vaga de Leandro na convocação na última hora. No ataque, colocou o garoto Muller para fazer a função de ponta-direita (que seria de Renato Gaúcho) e desenrolar a movimentação ofensiva.

As mudanças surtiram efeito, o Brasil venceu por 3 x 0, com direito a um gol espetacular de Josimar, num chutaço de fora da área. Vieram então as oitavas de final e nova vitória expressiva: 4 x 0 sobre a Polônia, com direito a novo golaço de Josimar. A Seleção Brasileira parecia ter encontrado seu futebol e a esperança voltou a nascer.

O adversário nas quartas de final era a forte França, de Tiganá e Platini. Jogo duríssimo, mas o Brasil conseguiu sair na frente, Careca mexeu pela primeira vez no placar aos 17 minutos dos primeiro tempo. Porém, antes ainda do intervalo, aos 40 minutos, o craque e camisa 10 francês Michel Platini pôs números iguais no marcador. No segundo tempo, a esperança brasileira naquela Copa do Mundo sempre esteve na entrada de Zico. O camisa 10 brasileiro ainda sofria pela recuperação da cirurgia no joelho e só aguentava alguns minutos dentro de campo. Ele entrou e faltando cinco minutos para acabar o jogo enfiou uma bola despretensiosa para o lateral-esquerdo Branco, que correu e conseguiu dar um toque na bola e tirá-la do alcança do goleiro francês, que vinha se projetando para frente, sem que houvesse tempo para impedir que seus braços chocassem com as pernas de Branco e o derrubassem. Pênalti! O árbitro apitou. Quem cobraria? Careca havia batido mal contra a Polônia, embora tivesse conseguido fazer o gol. Zico recém havia entrado em campo. E ainda havia a possibilidade de Sócrates. Zico pegou a bola e foi cobrar. Faltavam poucos minutos para o fim do jogo. Era o gol que colocaria o Brasil na semi-final. Zico correu e bateu rasteiro, sem muita força, no canto, o goleiro Joel Bats pulou e defendeu. Frustração total.

Fim de jogo e mais trinta minutos de prorrogação. Tensão total e constante. O jogo continuava duríssimo. Ninguém balançou as redes. Hora de cobranças de pênalti para definir o semi-finalista do Mundial. Era a primeira vez na história que o Brasil decidia jogo tão importante por pênaltis. E começou mal. Logo na primeira cobrança, Sócrates perdeu. Alemão fez. Era a vez de Zico novamente cobrar. Desta vez ele fez. Branco também marcou. Até que na quarta cobrança, Platini, o camisa 10, isolou sua cobrança por cima do gol. Restavam as cobranças de Júlio César e Luis Fernández. O Brasil voltava a ter esperanças. O zagueiro brasileiro disparou um violento petardo para o gol, e a bola explodiu na trave. O francês não desperdiçou. França 4 x 3 Brasil. Acabava o esperançoso sonho mexicano dos brasileiros.

Bats defende a cobrança de Zico

Nas quartas de final, três das quatro disputas foram decididas nos pênaltis. A França tirou o Brasil, a Alemanha eliminou o México e a surpreendente Bélgica, do grande goleiro Jean Marie Pfaff, tirou a Espanha. No único jogo que não foi a pênaltis, a Argentina venceu a Inglaterra por 2 x 1, graças a um gol de mão de Maradona, numa partida em que o camisa 10 argentino marcou um gol antológico, partindo com a bola de antes do meio de campo e driblando meio time inglês.

Na semi-final, a Alemanha tirou a França e a Argentina tirou a Bélgica. Os argentinos tinham um time mediano, mas Maradona vinha tendo atuações sobrenaturais. Os alemães, treinados pelo mítico Franz Beckenbauer, estrela da conquista da Copa de 74, tinham um conjunto mais forte. Os alemães jogavam com: Schumacher; Berthold, Karlheinze Forster e Briegel; Eder, Jakobs, Lottar Mattaus e Felix Magath; Allofs, Rudi Voller e Rummenigge. Era um equipe fortíssima.

No duelo do conjunto tático contra a individualidade técnica, os argentinos saíram na frente, com gols de José Luís Brown e Jorge Valdano. A fatura parecia liquidada, mas com dois gols em seis minutos, tendo o segundo saído a cinco minutos do fim, os alemães buscaram o empate, com Rummenigge e Voller. Um jogo de futebol magistral. E decidido três minutos depois do empate alemão, aos 43 minutos do segundo tempo, quando Jorge Burruchaga fez o 3 x 2 definitivo. Argentina, pela segunda vez na história, campeã do mundo.

E o México viu as duas maiores atuações individuais da história do futebol: Pelé na Copa do Mundo de 1970 e Maradona na Copa do Mundo de 1986.

Os campeões do mundo: Pumpido; Cuciuffo; Olarticoechea, Ruggeri e Jose Luis Brown; Giusti, Sergio Batista, Enrique e Maradona; Burruchaga e Valdano. O técnico era Carlos Bilardo.

A seleção da FIFA dos melhores da Copa: Harald Schumacher (Alemanha), Josimar (Brasil), Amoros (França), Bossis (França) e Jan Ceulemans (Bélgica), Felix Magath (Alemanha), Michel Platini (França) e Maradona (Argentina), Gary Lineker (Inglaterra), Elkjaer (Dinamarca) e Emilio Butrageño (Espanha).


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