A democracia aconteceu verdadeiramente
na história do Brasil só após as eleições para a Presidência da República de
1989, pois só então se iniciou um período mais longo e efetivo de escolhas do
povo. Ainda assim, o primeiro presidente eleito foi derrubado por corrupção,
mostrando a fragilidade política de uma sociedade que ainda estava em pleno
processo de amadurecimento, conseqüência não só da jovialidade do país, como de
uma estrutura social ainda desigual e, sobretudo, com acesso restrito à
educação. Eram as marcas herdadas pelas circunstâncias do destino, de uma
sociedade sob séculos de exploração e abandonada à própria sorte. Antes de
poder se preocupar em ter consciência política, aquele povo precisava se
preocupar em sobreviver e lutar pelas condições mais básicas para sua
subsistência.
A reversão deste quadro é lenta e
só pode ser obtida em longo prazo. Num período relativamente curto de tempo, de
apenas cem anos, reverter o quadro de uma população 85% analfabeta e em 60%
recém liberta da escravidão - retrato da sociedade brasileira em 1889 quando
houve a Proclamação da República - exigiu muito esforço, ainda mais por se
tratar de uma população imensa, em um país com dimensões continentais. Este
esforço foi suficiente para obter um impressionante avanço em integração,
sinergia nacional, pacto social e acesso às condições mais básicas e
elementares de ensino, mas ainda assim estava longe de alcançar as condições
ideais que permitiriam se enxergar um pleno desenvolvimento social no Brasil.
Os analfabetos já não eram mais a maioria, mas ainda eram muitos, a proporção
85%-15% se inverteu. Mas se quantitativamente a educação já chegava a todos os
cantos do país, em qualidade ainda havia muito a ser aperfeiçoado. Muito havia
sido conquistado, mas ainda não era o bastante. E a economia ainda estava
dentro do mais absoluto caos naquele momento da história, com o país imerso num
ciclo de hiperinflação.
Para quem nunca viveu uma
hiperinflação é muito difícil imaginar como é e quais suas catastróficas
conseqüências. Os preços de todos os produtos simplesmente chegavam ao fim do mês
valendo o dobro do que custavam no começo do mês. As pessoas saíam para
trabalhar de manhã e os preços eram uns, ao voltar para casa à noite os preços
já eram outros, numa remarcação constante. Não é fácil e simples entender os
motivos que levam uma economia a este comportamento. Mas não é difícil perceber
que algo que chega a este ponto está à beira de um colapso. Na visão simplista
do povo, aquilo é pura safadeza e falta de vergonha, a culpa acaba recaindo no
comerciante que está remarcando os preços na ponta, mas os preços no atacado
também estão variando tanto quanto no varejo, assim como os preços dos insumos
que abastecem os produtores. Toda a cadeia está desarranjada, de ponta a ponta,
e é reflexo dos erros do governo na condução da política macroeconômica, mas
entender os porquês não é simples, e mais complexo ainda é encontrar a saída
para tamanha desordem.
A estabilidade política, após o
conturbado primeiro mandato democrático, de Fernando Collor de Mello, coube a
seu vice-presidente, mais um político de Minas Gerais a ter papel preponderante
na história do país, Itamar Franco, que governou o país entre 1993 e 1994. Seu
ministro da fazenda era o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, e foi ele quem
abriu as portas do governo para os economistas da Pontifícia Universidade
Católica (PUC) do Rio de Janeiro, que elaboraram o plano econômico que enfim
conseguiu domar a hiperinflação, o Plano Real. Este grupo de economistas era
formado por Pérsio Arida, Edmar Bacha, André Lara Resende e Gustavo Franco, que
se inspiraram na experiência de controle da hiperinflação na Alemanha entre as
duas grandes guerras mundiais. O grupo acabou com o regime de taxa de câmbio
fixa, elevou a taxa de juros para atrair capital estrangeiro e assim manter a
taxa de câmbio sobrevalorizada, e iniciou um processo de contenção das despesas
públicas através de uma Lei de Responsabilidade Fiscal. De imediato, a variação
de preços, que estava em média próxima aos 45% ao mês, caiu para menos de 2% ao
mês. A taxa oficial de inflação do país em 1993 foi de 2.477%, em 1995 caiu
para menos de 10%. Nos vinte anos seguintes, apenas uma vez, em 2002, voltou a
ser de dois dígitos, quando fechou o ano em 12%. O monstro estava domado. A
economia, enfim, ficou estabilizada. E a democracia começava a fincar raízes no
solo brasileiro.
Nas eleições de 1994, colhendo o
sucesso do Plano Real, quem venceu as eleições presidenciais foi Fernando
Henrique Cardoso, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Ele obteve
54,3% dos votos (34,4 milhões no total), superando a Luiz Inácio Lula da Silva,
do Partido dos Trabalhadores (PT), que teve 27% dos votos. Nenhum dos outros
seis candidatos obteve mais do que 7,5% de votos. Resultado similar ao da
eleição seguinte, na qual Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, foi reeleito com
53,0% dos votos (35,9 milhões no total), com Luiz Inácio Lula da Silva, do PT
novamente em segundo, desta vez com 31,7% dos votos, e desta vez com Ciro
Gomes, do Partido Popular Socialista (PPS), com alguma representatividade em
terceiro lugar, com 11,0% dos votos. A eleição ainda teve mais nove candidatos,
mas nenhum deles obteve mais de 2,5% dos votos.
Depois de ficar em segundo lugar
nas eleições de 1989, 1994 e 1998, o ex-metalúrgico e líder sindical, Luiz
Inácio Lula da Silva, finalmente chegou ao poder nas eleições de 2002, dando
início a uma dinastia de seu partido – o Partido dos Trabalhadores – no governo
do país. Nas eleições de 2002, ele obteve 46,5% dos votos em primeiro turno
(39,5 milhões) e 61,3% dos votos em segundo turno, vencendo a eleição contra o
candidato social-democrata José Serra, do PSDB, que obteve 23,2% no primeiro
turno e 32,8% no segundo turno. Dois outros candidatos de esquerda também
tiveram bastante representatividade nesta eleição, o fluminense Anthony Garotinho,
do Partido Socialista Brasileiro (PSB) recebeu 17,9% dos votos, e o cearense
Ciro Gomes, do Partido Popular Socialista (PPS), recebeu 12,0%, mesmo patamar
de votos que tinha recebido na eleição anterior. Dos quatro candidatos de maior
representatividade, três deles defendiam siglas de se diziam alinhadas ao ideal
socialista, quase quinze anos após a derrocada da União Soviética.
Lula foi reeleito na eleição
seguinte, em 2006, novamente em segundo turno. Recebeu 48,6% dos votos (46,7
milhões) em primeiro turno, e 60,8% em segundo turno, percentuais parecidos aos
obtidos por ele na eleição de quatro anos antes. Desta vez o candidato
social-democrata derrotado foi o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que
recebeu 41,6% dos votos do primeiro turno, e 39,2% no segundo turno. Estranho
que tenha recebido menos no segundo turno em relação ao primeiro? Há duas
explicações: a primeira foi a intensa propaganda do PT contra as privatizações
de empresas nos governos de Fernando Henrique Cardoso, e a segunda é o baixo
nível de politização – consciência política da população – ainda refém da
propaganda massiva. No primeiro turno, a eleição ainda teve outros seis
candidatos, mas nenhum deles recebeu mais de 7% dos votos, mas é válido notar
que o terceiro lugar ficou com a senadora Heloísa Helena, candidato por um
partido recém criado que também tinha ideais alinhados ao socialismo, o Partido
Socialismo e Liberdade (PSOL).
A sucessão de Luiz Inácio Lula da
Silva no poder colocou pela primeira vez na história a uma mulher como
Presidente da República. A eleição de 2010 foi vencida por sua ministra, Dilma
Rousseff, também do PT, que venceu em segundo turno ao candidato do PSDB, o
paulista José Serra, a quem Lula já havia derrotado em 2002. Dilma recebeu
46,9% dos votos em primeiro turno (47,7 milhões) e 56,1% em segundo turno. Seu
concorrente social-democrata recebeu 32,6% no primeiro turno e 44,0% no segundo
turno. O terceiro lugar ficou com a senadora Marina Silva, do Partido Verde
(PV), que recebeu expressivos 19,3% dos votos. Os votos somados dos outros seis
candidatos que participaram do pleito não chegavam a 1,2% do total.
Ainda sob muitos percalços e
momentos de conturbação, e ainda que convivendo com uma estrutura social na
qual o acesso à educação era limitado, a democracia brasileira dava sinais de
solidez. Comparativamente a outros países emergentes, o Brasil já não era
escravo de governos ditatoriais, e mostrava mais solidez política do que alguns
de seus vizinhos na América Latina, que viveram um colonialismo exploratório
traumático similar ao enfrentado pela sociedade brasileira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário